A aldeia das denúncias
Suzana Toscano
Ionline, 2013-08-16
Leio os jornais e vem-me à memória uma história contada por Gabriel Garcia Marquez no seu livro "Viver para contá-la".
Conta ele que numa pequena aldeia pacífica começaram a aparecer cartas anónimas denunciando a vida de uns e de outros. Cada dia era portador de novas cartas e, a pouco e pouco, todos começaram a desconfiar de todos. Deixou de haver amigos, vizinhos ou irmãos, as ruas começaram a ficar desertas, as janelas fechavam-se aos olhares indiscretos, a vida tornou-se um pesadelo. Todos eram vigilantes de todos, todos eram vítimas de todos e a aldeia paralisou.
Ao ver as nossas "notícias", lembro-me desta história. A voracidade com que se "suspeita", se comenta e duvida das razões e "ligações" de quem age ou decide parece que estamos todos empenhados em demonstrar que é melhor não fazer nada, ficar muito quietinho a dizer mal do que alguns incautos ousem decidir. Ai de quem falha ou, sequer, de quem é suspeito de ter errado! De nada servirá ter feito muitas coisas com acerto, o que fica é o estigma do insucesso ou da "suspeita". Com o "castigo" regozijam-se os meros espectadores, justificando a sua inércia com os dissabores sofridos pelo atrevido.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira.
Autora do blogue Quarta República (http://quartarepublica.blogspot.pt)
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