As férias

Inês Teotónio Pereira
ionline, 2013-08-24
Tenho saudades dos dias de praia em que não se tem horas para sair da praia porque não há horas para dar banhos ou para fazer o jantar
Tenho saudades de ter férias. Das poucas coisas de tenho saudades é das férias. De férias a sério. Daquelas férias em que não se pensa no jantar, nas horas do jantar, nas horas de acordar, em que se planeia o dia meia hora antes das coisas acontecerem, ou seja, em que não se planeia o dia, porque o dia vai acontecendo sozinho.
Tenho saudades dos dias de praia em que não se tem horas para sair da praia porque não há horas para dar banhos ou para fazer o jantar. Morro mesmo de saudades de ir para praia no pico do calor apenas com a tolha aos ombros e um saquinho com sandes. Dos dias de praia em que dormir e jogar King durante horas eram programas óbvios. Em que o fim do dia era de moleza total e não o momento mais stressante do dias. Férias em que jantar fora não implicava uma logística complicada nem uma conta calada. E férias em que se podia sair à noite à vontade porque a manhã seguinte servia apenas e só para dormir.
Agora não. Agora tenho filhos mas não tenho férias. Ir à praia não é mesma coisa. É mesmo completamente diferente. Já não faço nada daquilo que fazia - ou seja nada- e passo o dia a correr atrás de crianças. Os meus dias passam a correr entre banhos de mar e de banheira, almoços e jantares, varrer areia, pendurar fatos de banho, besuntar a criançada com protector, transportar vários sacos com várias toalhas, águas, sandes, fruta, baldes e raquetes. Não há dia de trabalho que se compare a isto.
Todos os dias recordo os meus dias de férias de antigamente com assumida nostalgia. Em que as férias eram mesmo férias. Eram intermináveis e nem sequer eram completamente merecidas: por mais que se estudasse nada justificava aquela pasmaceira. Estamos a falar de quatro meses de ócio puro.
Mas tudo se paga nesta vida. E eu estou a pagar. Lembro-me de ter pena da minha mãe que fazia ainda mais do que aquilo que eu faço agora só para nós termos férias (ócio) e a única coisa que pedia era que fizéssemos as camas, estivéssemos em casa a horas de jantar e pendurássemos os fatos de banho. Há melhor acordo do que este? Nós só tínhamos de aproveitar e a minha mãe fazia tudo o resto acontecer.
Quando se diz que as mães sofrem, não tem só a ver com as dores de parto nem com as noites mal dormidas, a falta de férias também estão incluídas nesse sofrimento. Uma mãe não tem férias. Ou pelo menos não tem férias em família. Ou tem família ou tem férias. E a única maneira que se tem para contornar este dilema é fugir. Uma mãe que queira ter férias dignas desse nome tem de fugir dos filhos. E para o mais longe possível. Suficientemente longe que a impeça voltar mesmo que uma das crianças tenha uma amigdalite, ou parta a cabeça: "Azar, estou de férias e a milhares de quilómetros do ocorrido".
Querer conciliar as nossas férias com as férias do nossos filhos é impossível: as férias são pequenas de mais para os dois. Se eles estão de férias, resta-nos servi-los. Ou seja, proporcionar-lhes férias: diverti-los e fazer com que eles criem recordações que os acompanhem a vida toda. É que daqui a uns anos, são eles que estarão a empurrar carrinhos de bebé enquanto eu estou a ir para praia com as minhas amigas. São eles que estarão fazer castelos de areia enquanto eu dormito debaixo de um toldo. A vingança, meus filhos, serve-se fria. Entretanto, vou fazer o jantar e pendurar os fatos de banho.

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