O linchamento de Pais Jorge
José António Saraiva
Sol, 2013-08-20
Por princípio, sou contra as demissões de governantes. Fui contra a demissão de Jorge Coelho, a demissão de Guterres, a demissão de Relvas.
As pessoas que andam sempre a exigir a demissão deste e daquele não imaginam os custos enormes que uma demissão tem para o país.Com uma agravante: como dizia José Cabrita Saraiva no SOL há oito dias, se todas as suspeições que se levantam sobre os governantes resultassem em demissões, já estaríamos a ser governados por quartas, quintas, ou sextas escolhas.
Ora, se as primeiras escolhas não conseguiram resolver os problemas do país, como conseguiriam fazê-lo as quintas ou sextas escolhas?
No caso concreto de Joaquim Pais Jorge, pessoa que não conheço, a coisa começou de uma maneira caricata.
Segundo a primeira notícia, Pais Jorge (o secretário de Estado do Tesouro entrado nesta última remodelação) fora funcionário do Citigroup e tentara vender swaps 'tóxicos' ao Governo de José Sócrates – que os rejeitara peremptoriamente.
Ou seja: Sócrates, que foi de facto adepto dos swaps quando era primeiro-ministro, tornava-se como por magia um herói da resistência contra os swaps; inversamente, um governante de Passos Coelho passava a ser o mau da fita.
A história ficava virada de pernas para o ar.
Acossado pela imprensa, Pais Jorge demitiu-se.
E só depois de consumada a demissão vieram a saber-se duas coisas:
1. Que Pais Jorge não esteve na reunião em S. Bento onde os swaps foram apresentados, sendo essa presença 'inventada' através de um documento manipulado;
2. Que a recusa dos swaps do Citigroup não partiu de Sócrates nem do seu gabinete mas de um homem que, ironicamente, foi até há pouco secretário de Estado deste Governo, muito contestado por ter estado ligado ao BPN!
Enfim, uma 'narrativa' de loucos com um documento falsificado pelo meio.
Agora que o governante já saiu, eu pergunto: qual era o problema de uma pessoa ter defendido a posição de um privado quando lá trabalhava, e mais tarde defender a posição do Estado?
Para aligeirar, conto a seguinte história:
Mário Assis Ferreira era representante de uma sociedade que se opunha à compra do Casino Estoril pelo empresário chinês Stanley Ho – e as duas partes entraram em conflito.
O caso arrastou-se, foi para tribunal, e Ho finalmente ganhou – tornando-se proprietário do Casino.
Ora, quem convidou ele para a presidência da administração?
Mário Assis Ferreira, pois claro!
E explicou porquê: «Você foi tão brilhante na defesa da parte que estava em litigância comigo, que é a pessoa ideal para defender os meus interesses».
E assim Assis Ferreira ficou à frente do Casino Estoril por muitos anos e com óptimos resultados.
Voltemos ao caso de Pais Jorge.
Há oito anos, era funcionário do Citigroup, banco que tentou vender uns swaps ao Governo de José Sócrates.
Não se tratava de nenhuma ilegalidade (pois, se o fosse, o banco não a poderia propor).
Tratava-se de uma operação financeira que permitia ao Estado ter um défice menor naquele ano – mas à custa de riscos financeiros acrescidos no futuro.
É esta, de resto, a lógica de todos os swaps.
Naquela época, como funcionário do Citigroup, Pais Jorge defendia naturalmente a posição do banco que lhe pagava o ordenado; agora, oito anos passados, investido no cargo de secretário de Estado, quanto melhor ele defendesse a posição do Estado português, mais competência revelaria.
Ora, isto não é evidente? Quando os críticos invocam um problema 'moral', ou de coerência, estão a confundir tudo.
É que não estamos a falar de questões morais, nem de consciência, nem sequer de princípio – estamos a falar de questões financeiras, de dinheiros, nas quais a obrigação de um gestor é defender o melhor que pode a posição de quem lhe paga o ordenado e sustenta a sua família.
E mal iria se não agisse assim.
Eu sei que é mais popular dizer: «Malandro, ele antes estava de um lado e agora está do outro!».
É a vox populi.
Mas os comentadores têm obrigação de pensar melhor nos assuntos e resistirem à tentação de ser populares.
Hoje há uma grande tendência para fazer apressadamente 'julgamentos morais' – atrás dos quais vêm os linchamentos políticos.
Por isso, antes de falarmos ou escrevermos, nós – comentadores – deveríamos meditar mais numa frase bíblica: «Não julgueis, para que não sejais julgados».
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