Varinas

JOSÉ MIGUEL PINTO DOS SANTOS Observador 21/08/2015

A técnica negocial da varina só é viável em sociedades em que os vendedores podem tratar o comprador como socialmente inferior.
O mundo pode estar cada vez mais globalizado, pode ser que haja cada vez mais sensibilidade intercultural, mas as pessoas continuam basicamente a agir de acordo com os padrões culturais do seu país e etnia. Isto verifica-se nas profissões, na política, e até nos negócios. É assim natural que a interação entre dois homens de negócio, com culturas negociais muito diferentes, se preste a cenas de hilaridade potencialmente explosiva. Uma técnica de negociação bastante usada pelos portugueses, mas incompreensível (e sem efeito) para um alemão ou um americano, é a que poderíamos chamar “o contra-ataque da varina”, que ainda se podia observar diariamente, na sua pureza original, nas ruas de Lisboa de há pouco mais meio século.
Vinha a varina com a sua canasta à cabeça e a freguesa perguntava: “Ó D. Rosa, então hoje traz-me os carapauzinhos que ontem lhe pedi?” A peixeira parava, baixava a cesta, destapava o pescado e dizia orgulhosa: “Olhe-me bem para estes robalos! Diga-me lá se não são frescos!” A cliente olhava desconsolada para os robalos e replicava: “Mas tínhamos combinado carapauzinhos…” Começava então o “contra-ataque da varina”: “A senhora está-me a dizer que acha que estes robalos não são frescos?” A freguesa atalhava: “Não, não, são muito frescos. Mas hoje o que eu queria eram carapauzinhos.” O golpe final era então dito em voz trémula mas sonora: “A senhora está-ma ofender! Ora essa! A dizer-me, a mim!, que o meu peixe não é fresco! Nunca me insultaram assim nestes 30 anos.” E assim, muitas vezes, vendia o robalo à cliente que o não queria.
Esta técnica negocial é culturalmente específica e não transferível: não funciona na maior parte do mundo. Só é viável em sociedades em que os vendedores podem tratar o comprador como socialmente inferior, e em economias em que a concorrência na oferta é limitada.
Por justaposição, um japonês, por exemplo, nunca diz, nem dá a entender, em situação alguma, que ficou ofendido, mesmo que se sinta agravado. Para ele, ter que se reconhecer ofendido seria a pior humilhação que poderia sofrer. Nem sequer o dirá quando, anos mais tarde, extractar retribuição.
O não querer dar ofensa é uma característica maravilhosa dos portugueses. Que é, infelizmente, frequentemente usada por vendedores e políticos, pouco escrupulosos mas muito “sensíveis”, para os explorar. Mas o cómico é ver o “contra-ataque da varina” ser aplicado a um finlandês que, perplexo, não consegue perceber porque é que o português fica ofendido por ele não lhe comprar o peixe que ele não quer.

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