Ainda não é desta que vou ao Pontal

Inês Teotónio Pereira | ionline 2050815

Para ele, sou apenas colo, bolo, gelado e batatas ti-ti. Não sou gente. Raios. Vingo-me quando lhe molho a cabeça. A água aqui é fria.
O meu filho mais novo não gosta de praia. Pode parecer coisa pouca, uma criança com dois anos não tem gostos relevantes. Mas não é. O meu filho, como não gosta da praia, sai da praia. Vai-se embora. Eu vou atrás dele e passo o dia nisto. Apanho-o nas escadas, já o apanhei quase na rua e quase que já o perdi. Ele foge com a segurança de quem sabe que não se perde.
Também não gosta de mar e fica sonolento quando chega à areia. Não é nada bom: exige colo e eu passo o dia nisto. Quando consigo fugir dele é um alívio. Mas ele grita quando me vê a fugir e lá se vai o alívio. Comprei uns baldes para a criança. Também lhe dou gelados e até batatas fritas. Não há maneira. Ele não gosta de praia e como estalinista que é exige que eu também não goste de praia.
Sou proletariado nas mãos deste meu filho. Mal pago, pouco valorizado. Para ele, sou apenas colo, bolo, gelado e batatas ti-ti. Não sou gente. Raios. Vingo-me quando lhe molho a cabeça. Ele detesta, mas como perdemos o chapéu é mesmo importante molhar-lhe a cabeça. Ele grita, mas com razão, desta vez com razão. A água aqui é gelada.
Isto é com o meu filho mais novo, aquele que vale por cinco. Com os outros é melhor, mas sem exageros. Eles não me pedem colo, mas discutem.
No outro dia a vizinha queixava-se a outra vizinha, ouvi eu atrás da porta: “Estes meninos aqui do lado gritam muito”. Foram facadas. Nunca ninguém se tinha queixado dos meus meninos, e eu que achava que só eu gritava. Tratamento de choque: agora até o bebé sabe dizer shiu. Ele passa o dia a dizer shiu aos irmãos. E grita shiiiiu. É uma berraria de shius. Tudo fora de casa, passo os dias a dizer. E saio de casa de queixo levantado desafiando as vizinhas. Mas nunca mais as vi.
Depois comem muito. Crianças em férias comem imenso. Três litros de leite por dia no mínimo. 20 bolas, pelo menos. Depois há as gomas, os queques com noz, as parras, os gelados, os folhados, as farturas, os carrinhos de choque, os churros, as pevides, o Record. O tempo que não passo na praia a correr atrás do bebé ou com o bebé ao colo passo-o na fila do. multibanco ou na praça ou na padaria. O bebé viciou-se em uvas, no colo e no shiu
Resolvemos dar semanada para não entrarmos em bancarrota e para pararmos de dizer que não. Uma nota a cada e adeus multibancos. As crianças nem dormem preocupadas com o que compram e, consequentemente, com aquilo que vão deixar de comprar por terem comprado uma coisa.
Pedem-me conselhos: “E se eu comesse agora uma fartura?”. Não sei. “Depois fico sem dinheiro para as máquinas à noite…” Pois. Os mais velhos poupam até ao dia em que sai o guia Record. Outro já ficou nada porque fez asneira e o castigo foi dar e depois tirar. Sofro mais do que ele. No outro dia cedi, e ontem também: paguei-lhes coisas. Eles riram-se, claro.
Também temos o problema da televisão. Como só há quatro canais eles estão viciados em lixo (o canal parlamento está sem emissão – é o quinto). As tardes e as manhãs de não sei quem, os concursos e os anúncios. Veem notícias e já sabem dos cartazes do PS, da otite de Cameron, a música do anúncio da sagres, que hoje é o Pontal e tudo sobre feiras.
Sufoquei primeiro que eles: fui comprar a primeira série da Guerra dos Tronos. Estupidamente. Achava que podia ver a série com eles. Impossível, depois da violência e do sexo, dos incestos e do anão pervertido sobra pouco. Estava lá escrito que era para maiores de 16, mas não liguei. Agora fico acordada à espera que todos se deitem para poder ver a série. Faltam-me dois episódios e uma semana.
Outra coisa: tenho bares ao lado de casa. Como se sabe há turistas em Portugal e turistas que vão a bares e que cantam nos bares e na rua. Música ao vivo, música dos anos oitenta, salsa. Não é todos os dias, mas quando é, é até às três da manhã. Dormimos embalados. Mas já li um capítulo do livro (deve ser do livro).
Para o ano espero repetir isto tudo. 

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