Sonhos e pesadelos
José António Saraiva | SOL | 10/08/2015
Muita gente da esquerda – mas também da direita, sobretudo da direita mais radical – entusiasmou-se com o sonho grego e indignou-se com a Alemanha, acusando-a de egoísmo, egocentrismo e falta de solidariedade.
Não é de admirar: essa gente sempre viveu de sonhos.
Ao contrário dos liberais e dos socialistas moderados, que gostam de viver com os pés na terra, os esquerdistas e os direitistas convictos precisam de ter grandes ‘causas’.
Em Portugal, a minha geração cantou em gloriosos serões os célebres versos de Gedeão musicados por Manuel Freire: “Eles não sabem nem sonham/ que o sonho comanda a vida/ e sempre que um homem sonha/ o mundo pula e avança/ como bola colorida/ entre as mãos de uma criança”.
Nos anos 60 e princípios de 70 emocionei-me muitas vezes a cantar ou ouvir estes versos – que, além de belos e bem musicados, me pareciam conter uma mensagem óbvia, inquestionável e universal.
Nunca pensei que pudessem não ser verdadeiros.
Com o passar do tempo, porém, fui constatando que os meus sonhos não eram iguais aos do meu vizinho do lado; e que os deste não coincidiam com os do seu vizinho; e assim sucessivamente, numa constelação de anseios diferentes.
O tempo foi-me fazendo perceber que é muito fácil as pessoas juntarem-se para protestar contra qualquer coisa; mas é muito difícil reunirem-se para fazerem uma obra em conjunto.
Aí começam as dúvidas, as discussões, as dissensões – porque cada um tem uma ideia diferente e quer concretizá-la.
É neste salto do individual para o colectivo – ou seja, dos sonhos individuais para o sonho único colectivo – que muitas vezes as sociedades humanas descarrilam.
A extrema-esquerda e a direita radical são emocionais – e por isso vivem de grandes causas.
Uma e outra julgam-se cheias de razão, acham que estão a fazer o que convém ao povo – mas a verdade é que têm arrastado os povos para terríveis catástrofes.
Todos sabemos como acabaram os grandes sonhos da direita e da esquerda.
Sabemos como acabou o fascismo.
Como acabou o nazismo.
Como acabou o comunismo – nas suas versões leninista ou maoista.
Todos acabaram afogados em sangue, com milhões de mortos deixados pelo caminho.
E, a outra escala, o resultado sempre foi o mesmo.
A República Espanhola acabou com a ditadura de Franco e fuzilamentos contra ‘el paredón’.
O Chile de Allende acabou com o golpe de Pinochet e uma mortandade num campo de futebol.
A Cuba de Fidel Castro degenerou em ditadura.
A Líbia de Kadhafi, a Venezuela de Chávez, a Primavera Árabe tiveram o destino que se sabe.
A Coreia do Norte tem a sorte que está à vista.
Em todos estes cenários viveram-se sonhos, ilusões, promessas de um amanhã redentor.
Por isso, quando ouço os políticos falarem de sonhos, estremeço.
Livrem-nos dos sonhos colectivos!
Os sonhos são bons para viver individualmente ou em família, como nas epopeias do Oeste americano; mas são quase sempre trágicos quando pretendem ser vividos em sociedade.
Quando me falavam no ‘sonho grego’, eu espantava-me: será que as pessoas não aprenderam?
Nunca leram um livro de História?
Já viram algum sonho deste tipo que acabasse bem?
Eu olhava para os dirigentes gregos – para Tsipras, para Varoufakis – e, onde muitos viam uns heróis, eu via uns irresponsáveis, uns aventureiros, uns vendedores de ilusões.
Que haviam prometido ao seu povo o que não podiam prometer, porque não tinham como cumprir; e que depois se viraram para a Europa e disseram: agora resolvam o problema, porque foi isto que os gregos votaram.
Nenhum dirigente político tem o direito de conduzir o seu povo por um caminho que pode levar ao precipício.
Ao contrário daqueles que estão sempre prontos a correr atrás do primeiro vendedor de sonhos que apareça, eu digo: o mais elementar conhecimento da História aconselha a que os mantenhamos longe do poder.
Não devemos seguir os que prometem a Lua, mas sim ouvir os que têm os pés assentes no chão.
Estes, para os quais ninguém olha como heróis, têm uma sabedoria que falta aos outros; e por isso os liberais ou os socialistas moderados nunca organizaram matanças, nem encostaram ninguém à parede, nem fundaram ditaduras.
Lembremo-nos sempre disto: o papel dos governos não é liderarem sonhos colectivos – é criarem condições para que as pessoas (e as famílias) concretizem os seus sonhos particulares.
Os grandes sonhos colectivos trazem invariavelmente nas suas entranhas os gérmenes da desgraça.
Muita gente da esquerda – mas também da direita, sobretudo da direita mais radical – entusiasmou-se com o sonho grego e indignou-se com a Alemanha, acusando-a de egoísmo, egocentrismo e falta de solidariedade.
Não é de admirar: essa gente sempre viveu de sonhos.
Ao contrário dos liberais e dos socialistas moderados, que gostam de viver com os pés na terra, os esquerdistas e os direitistas convictos precisam de ter grandes ‘causas’.
Em Portugal, a minha geração cantou em gloriosos serões os célebres versos de Gedeão musicados por Manuel Freire: “Eles não sabem nem sonham/ que o sonho comanda a vida/ e sempre que um homem sonha/ o mundo pula e avança/ como bola colorida/ entre as mãos de uma criança”.
Nos anos 60 e princípios de 70 emocionei-me muitas vezes a cantar ou ouvir estes versos – que, além de belos e bem musicados, me pareciam conter uma mensagem óbvia, inquestionável e universal.
Nunca pensei que pudessem não ser verdadeiros.
Com o passar do tempo, porém, fui constatando que os meus sonhos não eram iguais aos do meu vizinho do lado; e que os deste não coincidiam com os do seu vizinho; e assim sucessivamente, numa constelação de anseios diferentes.
O tempo foi-me fazendo perceber que é muito fácil as pessoas juntarem-se para protestar contra qualquer coisa; mas é muito difícil reunirem-se para fazerem uma obra em conjunto.
Aí começam as dúvidas, as discussões, as dissensões – porque cada um tem uma ideia diferente e quer concretizá-la.
É neste salto do individual para o colectivo – ou seja, dos sonhos individuais para o sonho único colectivo – que muitas vezes as sociedades humanas descarrilam.
A extrema-esquerda e a direita radical são emocionais – e por isso vivem de grandes causas.
Uma e outra julgam-se cheias de razão, acham que estão a fazer o que convém ao povo – mas a verdade é que têm arrastado os povos para terríveis catástrofes.
Todos sabemos como acabaram os grandes sonhos da direita e da esquerda.
Sabemos como acabou o fascismo.
Como acabou o nazismo.
Como acabou o comunismo – nas suas versões leninista ou maoista.
Todos acabaram afogados em sangue, com milhões de mortos deixados pelo caminho.
E, a outra escala, o resultado sempre foi o mesmo.
A República Espanhola acabou com a ditadura de Franco e fuzilamentos contra ‘el paredón’.
O Chile de Allende acabou com o golpe de Pinochet e uma mortandade num campo de futebol.
A Cuba de Fidel Castro degenerou em ditadura.
A Líbia de Kadhafi, a Venezuela de Chávez, a Primavera Árabe tiveram o destino que se sabe.
A Coreia do Norte tem a sorte que está à vista.
Em todos estes cenários viveram-se sonhos, ilusões, promessas de um amanhã redentor.
Por isso, quando ouço os políticos falarem de sonhos, estremeço.
Livrem-nos dos sonhos colectivos!
Os sonhos são bons para viver individualmente ou em família, como nas epopeias do Oeste americano; mas são quase sempre trágicos quando pretendem ser vividos em sociedade.
Quando me falavam no ‘sonho grego’, eu espantava-me: será que as pessoas não aprenderam?
Nunca leram um livro de História?
Já viram algum sonho deste tipo que acabasse bem?
Eu olhava para os dirigentes gregos – para Tsipras, para Varoufakis – e, onde muitos viam uns heróis, eu via uns irresponsáveis, uns aventureiros, uns vendedores de ilusões.
Que haviam prometido ao seu povo o que não podiam prometer, porque não tinham como cumprir; e que depois se viraram para a Europa e disseram: agora resolvam o problema, porque foi isto que os gregos votaram.
Nenhum dirigente político tem o direito de conduzir o seu povo por um caminho que pode levar ao precipício.
Ao contrário daqueles que estão sempre prontos a correr atrás do primeiro vendedor de sonhos que apareça, eu digo: o mais elementar conhecimento da História aconselha a que os mantenhamos longe do poder.
Não devemos seguir os que prometem a Lua, mas sim ouvir os que têm os pés assentes no chão.
Estes, para os quais ninguém olha como heróis, têm uma sabedoria que falta aos outros; e por isso os liberais ou os socialistas moderados nunca organizaram matanças, nem encostaram ninguém à parede, nem fundaram ditaduras.
Lembremo-nos sempre disto: o papel dos governos não é liderarem sonhos colectivos – é criarem condições para que as pessoas (e as famílias) concretizem os seus sonhos particulares.
Os grandes sonhos colectivos trazem invariavelmente nas suas entranhas os gérmenes da desgraça.
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