Francisco quer milagres (mas milagres a sério)
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus, 2-VIII-2015
O Papa espera muito deste próximo
sínodo sobre a família. A parte mais interessante será a conclusão final, que o
Papa reservou para si. Pediu aos bispos colaborações francas, leais, que o
ajudassem na sua missão, mas explicou-lhes que essa missão – confiada pelo
próprio Cristo ao Papa – não era delegável.
Alguns sentiram a falta da participação
activa do Papa durante as primeiras controvérsias, quando ele, em vez de tomar
partido, insistia em que cada um ouvisse os outros e, sobretudo, pedia orações,
orações, orações. Parece que o povo cristão tem correspondido, a julgar pelas pessoas
que retomaram o terço e as paróquias que organizaram tempos de adoração eucarística.
Noutro plano, o Papa Francisco começou
uma catequese muito serena, muito profunda, sobre a família. Sem dar a entender
que criticava este ou aquele, propôs-se ajudar a Igreja a olhar a família numa
perspectiva diferente. Passou a ser regra que, nos encontros mais concorridos
do pontificado (por exemplo nas Filipinas, ou há dias em Guayaquil), o Papa
escolha este tema, sempre numa perspectiva evangélica, jamais em tom polémico.
Um dos apelos surpreendentes do Papa
Francisco é chorar. Num encontro memorável com milhares de padres da diocese de
Roma, perguntava-lhes directamente se, naquele presbitério, se tinham secado as
lágrimas. As ofensas à dignidade humana, a deslealdade na quebra dos
compromissos deviam comover-nos. Onde é que estão as lágrimas?
Este apelo foi tão genuíno que ninguém
o tomou por um recurso de retórica. Pelo contrário, vejo gente que finalmente
percebeu a doutrina da Igreja, gente que não se convencia com declarações de
direitos e de deveres, mas ficou desarmada com um Papa que admite publicamente
que chora e apela aos seus padres para se comoverem.
Outro dos apelos do Papa é para experimentarmos
a misericórdia de Deus, para confiarmos no seu projecto de felicidade e
abrirmo-nos à contrição e à emenda de vida.
Em Guayaquil, comentando a cena das
bodas de Caná, o Papa falou assim das bacias de água destinadas às limpezas. «O
vinho novo, o melhor vinho, como diz o mestre-sala, nasce das tinas da
purificação, quer dizer, do lugar onde todos tinham deixado o seu pecado; nasce
do “piorzinho”, porque “onde abundou o pecado, aí sobreabundou a graça”. Em
cada uma das nossas famílias e na família comum que todos formamos, não se
descarta ninguém, ninguém é inútil. Pouco antes de começar o ano jubilar da misericórdia,
a Igreja celebrará o sínodo dedicado às famílias (...). Convido-vos a intensificar
as vossas orações por esta intenção, para que até aquilo que nos parece impuro
– a água das tinas –, aquilo que nos escandaliza ou nos assusta, Deus o possa
transformar em milagre, fazendo-o passar através da sua “hora” [o Papa explicou
que a “hora” de Jesus se referia à sua Paixão]. A família tem hoje necessidade
deste milagre».
Outro ponto importante da mensagem do
Papa Francisco é que quer milagres, milagres a sério. Não se contenta com
falsas soluções, aposta no milagre completo. A embrulhada já não tem remédio?
Está tudo perdido? Pelo contrário, tudo se recompõe! O Papa acredita em
milagres, quer uma coisa verdadeiramente divina, que nos vai chegar pelas mãos
de Maria.
«Toda esta história começou porque “não
tinham vinho” e tudo se resolveu porque uma mulher – Nossa Senhora – esteve
atenta, soube deixar as suas preocupações nas mãos de Deus e actuou com
sensatez e coragem».
O caminho de reconciliação que Deus nos
aponta pode parecer áspero, na direcção oposta à felicidade. Mas não, o milagre
acontece:
«O vinho melhor está para vir, para
aqueles que hoje vêem tudo a derrubar-se. Segredem aos ouvidos, até
acreditarem: o melhor vinho está para vir. Sussurre-o, cada um no seu coração:
o vinho melhor está para vir. Digam aos desesperados e àqueles com pouco amor:
tenham paciência, tenham esperança, façam como Maria, rezem, trabalhem, abram o
coração, porque vai chegar o melhor dos vinhos. Deus abeira-Se sempre das
periferias daqueles que ficaram sem vinho, daqueles que só têm desencorajamento
para beber; Jesus tem predilecção por oferecer o melhor dos vinhos àqueles que,
por uma razão ou por outra, sentem que já partiram todas as ânforas».
Por algum motivo o Papa insiste tanto
na oração.
Julho
de 2015: um milhão de fiéis na Missa em Guayaquil.
Julho
de 2015: um milhão de fiéis na Missa em Guayaquil.
Julho
de 2015: um milhão de fiéis na Missa em Guayaquil.
Comentários