Uma ministra e peras
JN, 19.08.2015
MANUEL SERRÃO
A propósito de um vestido estampado com pera-rocha que a ministra Assunção Cristas usou no Algarve e da estreia do remake do clássico "O Pátio das Cantigas" a cargo do cineasta Leonel Vieira, vou tentar explicar porque é que fazer bem em Portugal passa muitas vezes por "vestir a camisola" e despir os preconceitos.
Vestir a camisola - Assisti "in loco" ao desfile da coleção que a estilista Katty Xiomara concebeu e produziu para o jantar oficial que consagrou a presença de Portugal como país convidado da Fruit Logístic, a maior feira mundial de frutas e legumes, que se realizou em Berlim no início do ano. Sou por isso testemunha da surpresa e agrado generalizado do sucesso que constituiu essa iniciativa da Portugal Fresh junto de uma vasta plateia de produtores agroalimentares, agentes e compradores do setor. Na mesa de honra, entre outras personalidades, estava o ministro alemão da Agricultura, o número dois do Governo português, Paulo Portas, e Assunção Cristas. Na circunstância, fui portador dos cumprimentos e parabéns dos dois membros do Governo luso para a minha amiga Katty Xiomara, que só não esteve em Berlim porque estava na mesma semana a expor numa feira de moda em Londres. Em conversa rápida no final do desfile, Assunção Cristas confidenciou ao presidente da associação de produtores responsável pela presença dos portugueses na feira alemã, que tinha gostado tanto do que viu que não se importaria de usar um dos vestidos se eles estivessem à venda. Efetivamente o conjunto de coordenados encomendados pela Portugal Fresh à conhecida estilista portuense eram modelos únicos, todos com estampados de frutas e legumes nacionais e apenas destinados ao fim descrito. Mas as palavras da ministra não caíram em saco roto e algum tempo depois, Manuel Évora e Gonçalo Santos Andrade, presidente e diretor-geral da Portugal Fresh, foram com Katty Xiomara entregar a Assunção Cristas alguns dos vestidos que integravam a coleção. Devo confessar que sempre julguei que a simpatia da ministra ficaria por aí e fiquei sinceramente espantado quando a vi em público, nas televisões e nos jornais, com um desses modelos vestidos. Que bem lhe ficava!
Numa época em que precisamos tanto de políticos que façam o que prometem e que sejam capazes de despir alguns preconceitos para afirmar o que Portugal faz bem, esta atitude da ministra Assunção Cristas calou bem fundo certamente nos produtores portugueses, que tanto têm lutado para promover as suas frutas e legumes no país e no estrangeiro. Neste momento muitos hão de estar a dizer que têm uma ministra... e peras!
Despir o preconceito - Da realidade para a ficção, continuando em português, aqui está outro campo onde despir o preconceito é fundamental e urgente. Sobretudo para não desperdiçar as oportunidades (provavelmente maiores até neste tempo tradicional de férias) para desfrutar de um encanto como aquele que Leonel Vieira tem atualmente em exibição nos cinemas que ainda existem no nosso cantinho à beira-mar plantado. Os preconceitos habituais neste caso são normalmente dois. Um, que atenta contra todo o cinema português, porque cá ninguém tem qualidade, nem realizadores, nem atores, nem argumentistas, nem cenógrafos, nem sonoplastas, nem produtores, já que só o que vem de fora é que é bom. E um segundo, que vai ao arrepio das receitas de bilheteira conhecidas e que reza que os filmes que não têm uma mensagem subliminar, profunda e praticamente indecifrável pelo espectador comum, não são filmes, não são nada.
"O Pátio das Cantigas" poderá não ter estas tais "mensagens" de que os críticos que temos gostam de trabalhar e reinventar nos seus intermináveis escritos, mas é uma obra competente e divertida, com desempenhos notáveis e uma fotografia excelente, a que se assiste com um sorriso nos lábios e um conforto na alma. Gostaria de recomendar este filme aos portugueses que ainda não o viram e chamo particular atenção para o notável desempenho de Sara Matos e especialmente do Miguel Guilherme, que de tanto o lembrar, quase fazia esquecer o grande António Silva.
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