Cenas de um casamento
ALBERTO GONÇALVES
DN 2015.08.09
Há cerca de três meses, sentado numa porta de embarque de Pedras Rubras, informaram-me que um dos passageiros do meu voo era um "superempresário" (sic) da bola. Olhei para o sujeito e, dado que usava uma malinha Louis Vuitton, achei plausível. Achei também esquisito que alguém reconhecesse um sujeito ao qual ninguém parecia ligar nada.
Não pensei mais no assunto até descobrir que o sujeito casou, que o casamento foi notícia e implicou o bloqueio de uma ou duas ruas na Foz do Douro. Pelos vistos, o Sr. Jorge Mendes é importante no meio em que se move e o respectivo matrimónio convocou personalidades lendárias de quem, à excepção de Cristiano Ronaldo e de José Mourinho, nunca ouvi falar. Daí a colocar vários quarteirões em estado de sítio é um pequeno passo. Os poderes do "superempresário" incluem o de manter a ralé à distância.
O Facebook não apreciou a proeza. Numa das 17 indignações que semanalmente o alimentam, o Facebook decidiu ser absurdo que uma pândega de meia dúzia transtorne a vida de milhares. Tem razão. Não tem é legitimidade. Muitos dos que acham repugnante o referido abuso participam de abusos iguaizinhos na essência. Das corridas contra a hepatite a comícios, da propaganda de supermercados às feiras "medievais", dos carrinhos às voltas às voltas de bicicleta, tudo serve de pretexto para que os apetites de uns poucos, públicos ou privados, se sobreponham à conveniência de todos. Quando não é a própria autarquia a cozinhar a ideia, é a autarquia a autorizá-la, numa exótica interpretação das famosas "políticas de proximidade".
Não me entendam mal. Sou inteiramente a favor de que um cidadão force a evacuação de três freguesias só para que possa passear em pelota na avenida, ou que impeça a circulação rodoviária para que consiga conduzir sem trânsito - desde que o cidadão seja eu. Nos meus delírios, chego a pensar que, caso mandasse, Portugal em peso adiantaria os relógios 17 minutos e teria uma bandeira decente. A sorte é que não mando, ao contrário de certos e inexplicáveis donos deste belo país. E o povo? O povo, ou uma pequenina parcela dele, correu às barricadas em volta da casa do Sr. Jorge Mendes. Para protestar? Não, para tentar ver as "celebridades". De facto, o ideal é voar daqui para fora.
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