Saber regressar
VIRIATO SOROMENHO MARQUES
DN 20150821
Há 600 anos, a Conquista de Ceuta, embora envergando ainda as vestes medievais, iria iniciar uma nova era. Numa espécie de disfarce, a jovem dinastia de Avis pegava no estandarte das Cruzadas para fundar uma nova ordem global, que Voltaire, em 1756, sintetizou brilhantemente: "Foi esta viagem de Gama que mudou o comércio do mundo antigo estabelecido desde os tempos de Alexandre, o Grande." D. João I escolheu Ceuta e não Granada, porque o segredo de 1415 seria 1498. A conquista militar preparava um império, mas marítimo e comercial. De mercadorias e ideias. Portugal não era a nova Roma. Não podia ocupar extensiva e intensivamente territórios. Seria quanto muito uma nova Fenícia. Precisava de entrepostos e testas-de-ponte. Isso o reconheceu o grande dominicano Francisco de Vitoria, em 1538, elogiando Portugal por fazer tratados comerciais com reinos desconhecidos, enquanto Cortez e Pizarro terraplanavam impérios milenares, sem outro direito que não o do mais forte. Afinal, o império, como bem o salientou Adriano Moreira, foi triplo: na Ásia, no Brasil e, finalmente, em África. Com um rigor metafísico, Hegel vê nos lusíadas a vanguarda do "fogo patriótico" da Europa das nações livres. Para ele, os rios de Espanha tornaram-se mar e liberdade com as velas portuguesas que o vento da "coragem e da astúcia" enfunou. Ceuta abria o caminho para a Europa-Mundo. Como foi possível este povo de menos de dois milhões de almas ter deixado tantas marcas em tantos outros? Foi a pergunta a que Charles Boxer, e outros, dedicaram toda a sua obra. Como poderá Portugal regressar à Europa? É a pergunta que Antero procurou enfrentar na sua genial simplificação do Casino, em 1871. Como permanecer aqui, sem que nos roubem a alma? É a pergunta que cabe aos portugueses de agora responder.
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