Os africanos estão loucos?
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus, 30-VIII-2015
A notícia é extravagante,
mas o contexto não fazia prever nada de especial.
No momento em que escrevo,
terminou há pouco o encontro e o comunicado final está a ser distribuído em
Kinshasa. De 21 a 25 de Agosto de 2015, centenas de jovens, representantes de
todos os países de África, debateram a «Educação para uma cultura de paz e de
reconciliação». Reconheço que nunca dei nada por estas jornadas, promovidas pela
Assembleia das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SECAM) e acolhidas
em Kinshasa pela Conferência Episcopal da República Democrática do Congo
(CENCO).
Nunca se viu uma confusão
de centenas de jovens surpreenderem o mundo com conclusões geniais. E o tema,
desta vez, era coisa meio chocha. Tinha tudo para ser previsível. Parecia
óbvio, o que havia que dizer, e realmente foi dito: é preciso acabar com a vaga
de violência que tem assolado a África, fruto de sectarismos ideológicos ou de
raça, outras vezes relacionada com a prática semilegal da escravatura.
Para que é que esta pequena
multidão de jovens africanos, do Egipto até à África do Sul, precisou de tantos
dias para discutir o assunto? Que mais nos reserva este pontificado?
Inspirada na revolução em
curso, desencadeada pelo Papa, aquela gente saiu-se com a seguinte equação. Se
queremos paz, temos de procurar a reconciliação; quem quer a reconciliação, tem
de começar por se confessar.
Esta dinâmica, instaurada por
Francisco está a ter impacto em zonas importantes do mundo. Em vários países da
Europa, as estatísticas registaram uma redescoberta do sacramento da Confissão
e do hábito de pedir perdão na família, mas, de acordo com as informações de
que disponho, ainda não é claro se esta mensagem está a ter um efeito
comparável noutras regiões do globo. Aos poucos, chegam indícios
surpreendentes, que mostram que algo muito profundo está mesmo a acontecer.
Não é uma teoria, ou um
movimento de entusiasmo, é uma nova forma de olhar a vida. É descobrir que se
pode recomeçar sempre, porque Deus ama sem medida e perdoa sempre.
Antes, lamentávamo-nos:
«tenho pena, mas agora tenho de viver assim, não posso voltar atrás». A
perspectiva agora é a oposta: «vale a pena o esforço. Nada está perdido. Deus
perdoa e eu confio em que Ele me vai ajudar. Porque Deus quer que eu seja muito
feliz».
De uma maneira geral, em
Portugal não estamos muito atentos à mensagem da Igreja. Não temos tempo.
Depois, Portugal está longe de Roma e a língua é diferente. Acresce que já
sabemos tudo, ou julgamos que sabemos (o que vai dar ao mesmo). Por outro lado,
habituámo-nos a um tal frenesim de novidades que ficamos sem disponibilidade
para repensar a vida. Para a Igreja chegar ao cabeçalho da página, é preciso
que um padre abuse de uma criança ou haja uma troca de insultos de proporções
graves, documentada com fotografias. Abaixo desse clímax emocional, tudo é desinteressante
e banalidade.
Entretanto, lá longe, centenas
de jovens de todos os países da África, talvez porque já viram cadáveres a
escorrer sangue, chegaram à conclusão de que é altura de voltar no sacramento
da Confissão.
Que o Papa fale nisso, não
seria a primeira vez. Que de uma multidão de jovens saia esta conclusão... algo
está mesmo a mudar à nossa frente.
Agosto de 2015: um dos grupos presentes na conferência
panafricana de jovens.
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