11 de Julho - S. Bento
S. Bento de Núrsia
Hans Memling
óleo sobre tela
Galleria degli Uffizi
Florença
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PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 9 de Abril de 2008
São Bento de Núrcia
Queridos irmãos e irmãs!
Gostaria hoje de falar de São Bento, Fundador do monaquismo
ocidental, e também Padroeiro do meu pontificado. Começo com uma palavra de São
Gregório Magno, que escreve de São Bento: "O homem de Deus que brilhou
nesta terra com tantos milagres não resplandeceu menos pela eloquência com que
soube expor a sua doutrina" (Dial. II, 36). O grande Papa escreveu estas
palavras no ano de 592; o santo monge tinha falecido 50 anos antes e ainda
estava vivo na memória do povo sobretudo na florescente Ordem religiosa por ele
fundada. São Bento de Núrcia com a sua vida e a sua obra exerceu uma influência
fundamental sobre o desenvolvimento da civilização e da cultura europeia. A
fonte mais importante sobre a sua vida é o segundo livro dos Diálogos de São
Gregório Magno. Não é uma biografia no sentido clássico. Segundo as ideias do
seu tempo, ele pretende ilustrar mediante o exemplo de um homem concreto
precisamente de São Bento a subida aos cumes da contemplação, que pode ser
realizada por quem se abandona a Deus. Portanto, tem-se um modelo da vida
humana como subida para o vértice da perfeição. São Gregório Magno narra
também, neste livro dos Diálogos, de muitos milagres realizados pelo Santo, e
também aqui não quer narrar simplesmente algo de estranho, mas demonstrar como
Deus, admoestando, ajudando e também punindo, intervenha nas situações
concretas da vida do homem. Quer mostrar que Deus não é uma hipótese distante
colocada na origem do mundo, mas está presente na vida do homem, de cada homem.
Esta perspectiva do "biógrafo" explica-se também à
luz do contexto geral do seu tempo: entre os séculos V e VI o mundo estava
envolvido por uma tremenda crise de valores e de instituições, causada pela
queda do Império Romano, pela invasão dos novos povos e pela decadência dos
costumes. Com a apresentação de São Bento como "astro luminoso",
Gregório queria indicar nesta situação atormentada, precisamente aqui nesta
cidade de Roma, a saída da "noite escura da história" (cf. João Paulo
II, Insegnamenti, II/1, 1979, p. 1158). De facto, a obra do Santo e, de modo
particular, a sua Regra revelaram-se portadoras de um autêntico fermento
espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua
Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade
política criada pelo império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a
da fé cristã partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a
realidade à qual nós chamamos "Europa".
O nascimento de São Bento é datado por volta de 480.
Provinha, assim diz São Gregório, "ex provincia Nursiae" da região da
Núrsia. Os seus pais abastados enviaram-no para Roma para a sua formação nos
estudos. Mas ele não permaneceu por muito tempo na Cidade eterna. Como
explicação plenamente credível, Gregório menciona o facto de que o jovem Bento
sentia repugnância pelo estilo de vida de muitos dos seus companheiros de
estudos, que viviam de modo dissoluto, e não queria cair nos mesmos erros
deles. Desejava aprazer unicamente a Deus; "soli Deo placere
desiderans" (II Dial., Prol. 1). Assim, ainda antes da conclusão dos seus
estudos, Bento deixou Roma e retirou-se na solidão dos montes a leste da
cidade. Depois de uma primeira estadia na aldeia de Effide (actualmente
Affile), onde durante um certo período se associou a uma "comunidade
religiosa" de monges, fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante
três anos completamente sozinho numa gruta que, a partir da Alta Idade Média,
constitui o "coração" de um mosteiro beneditino chamado "Sagrada
Espelunca". O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para
Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações
fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de
se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira
e da vingança. De facto, Bento estava convencido de que, só depois de ter
vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil
para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava
em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um
criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros
mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco.
No ano de 529 Bento deixou Subiaco para se estabelecer em
Montecassino. Alguns explicaram esta transferência como uma fuga das
maquinações de um invejoso eclesiástico local. Mas esta tentativa de explicação
revelou-se pouco convincente, dado que Bento não regressou para lá depois da
morte repentina do mesmo (II Dial. 8). Na realidade, esta decisão impôs-se-lhe
porque tinha entrado numa nova fase da sua maturação interior e da sua
experiência monástica. Segundo Gregório Magno, o Êxodo do vale remoto do Anio para
Monte Cassio uma altura que, dominando a vasta planície circunstante, se vê ao
longe reveste um carácter simbólico: a vida monástica no escondimento tem uma
sua razão de ser, mas um mosteiro tem também uma sua finalidade pública na vida
da Igreja e da sociedade, deve dar visibilidade à fé como força de vida. De
facto, quando, em 21 de Março de 574, Bento concluiu a sua vida terrena, deixou
com a sua Regra e com a família beneditina por ele fundada um património que
deu nos séculos passados e ainda hoje continua a dar frutos em todo o mundo.
Em todo o segundo livro dos Diálogos Gregório ilustra-nos
como a vida de São Bento estivesse imersa numa atmosfera de oração, fundamento
portante da sua existência. Sem oração não há experiência de Deus. Mas a espiritualidade
de Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão
do seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu
de vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades
concretas. Ao ver Deus compreendeu a realidade do homem e a sua missão. Na sua
Regra ele qualifica a vida monástica "uma escola ao serviço do
Senhor" (Prol. 45) e pede aos seus monges que "à Obra de Deus [ou
seja, ao Ofício Divino ou à Liturgia das Horas] nada se anteponha" (43,
3). Mas ressalta que a oração é em primeiro lugar um acto de escuta (Prol.
9-11), que depois se deve traduzir em acção concreta. "O Senhor aguarda
que nós respondamos todos os dias com os factos aos seus ensinamentos",
afirma ele (Prol. 35). Assim a vida do monge torna-se uma simbiose fecunda
entre acção e contemplação "para que em tudo seja glorificado Deus"
(57, 9). Em contraste com uma auto-realização fácil e egocêntrica, hoje com
frequência exaltada, o primeiro e irrenunciável compromisso do discípulo de São
Bento é a busca sincera de Deus (58, 7) sobre o caminho traçado pelo Cristo
humilde e obediente (5, 13), ao amor do qual ele nada deve antepor (4, 21; 72,
11) e precisamente assim, no serviço do outro, se torna homem do serviço e da
paz. Na prática da obediência realizada com uma fé animada pelo amor (5, 2), o
monge conquista a humildade (5, 1), à qual a Regra dedica um capítulo inteiro
(7). Desta forma o homem torna-se cada vez mais conforme com Cristo e alcança a
verdadeira auto-realização como criatura à imagem e semelhança de Deus.
À obediência do discípulo deve corresponder a sabedoria do
Abade, que no mosteiro desempenha "as funções de Cristo" (2, 2; 63,
13). A sua figura, delineada sobretudo no segundo capítulo da Regra, com um
perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente, pode ser considerada
como um auto-retrato de Bento, porque como escreve Gregório Magno "o Santo
não pôde de modo algum ensinar de uma forma diferente da qual viveu"
(Dial. II, 36). O Abade deve ser ao mesmo tempo terno e mestre severo (2, 24),
um verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios, é contudo chamado
sobretudo a imitar a ternura do Bom Pastor (27, 8), a "ajudar e não a
dominar" (64, 8), a "acentuar mais com os factos do que com as
palavras tudo o que é bom e santo" e a "ilustrar os mandamentos
divinos com o seu exemplo" (2, 12). Para ser capaz de decidir
responsavelmente, também o Abade deve ser homem que escuta "os conselhos
dos irmãos" (3, 2), porque "muitas vezes Deus revela ao mais jovem a
solução melhor" (3, 3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna
uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade
pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe
ouvir e aprender de quanto ouve.
Bento qualifica a Regra como "mínima, traçada só para o
início" (73, 8); mas na realidade ela pode oferecer indicações úteis não
só para os monges, mas também para todos os que procuram uma guia no seu
caminho rumo a Deus. Pela sua ponderação, a sua humanidade e o seu
discernimento entre o essencial e o secundário na vida espiritual, ele pôde
manter a sua força iluminadora até hoje. Paulo VI, proclamando a 24 de Outubro
de 1964 São Bento Padroeiro da Europa, pretendeu reconhecer a obra maravilhosa
desempenhada pelo Santo mediante a Regra para a formação da civilização e da
cultura europeia. Hoje a Europa que acabou de sair de um século profundamente
ferido por duas guerras mundiais e depois do desmoronamento das grandes
ideologias que se revelaram como trágicas utopias está em busca da própria
identidade. Para criar uma unidade nova e duradoura, são sem dúvida importantes
os instrumentos políticos, económicos e jurídicos, mas é preciso também
suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire nas raízes cristãs do
Continente, porque de outra forma não se pode reconstruir a Europa. Sem esta
linfa vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir à antiga tentação
de se querer remir sozinho utupia que, de formas diferentes, na Europa do
século XX causou, como revelou o Papa João Paulo II, "um regresso sem
precedentes ao tormento histórico da humanidade" (Insegnamenti, XIII/1,
1990, p. 58). Procurando o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra de
São Bento como uma luz para o nosso caminho. O grande monge permanece um
verdadeiro mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver o humanismo
verdadeiro.
© Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana
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