Que se lixem os ciclos

Público 2012-07-31 Pedro Lomba


Uma das críticas que têm sido feitas ao governo é a de estar, antes de tempo, já a preparar as próximas eleições. Este é o governo que, mal tomou posse, começou logo a ser contestado por eleitoralismo. Carrega agora na austeridade, para em 2015 suavizar a receita. Vai no imediato para além do programa da troika, para mais tarde ganhar folga e poder recuar. É uma crítica que quase sempre vem de pessoas que, quando estiveram no poder, não foram, como se sabe, nada eleitoralistas. Nunca trocaram generosidade por votos. Mas não é a incoerência destes críticos que aqui interessa. É o irrealismo de acharem que, desde que a troika chegou a Portugal, faz sentido manter o debate político nestes termos. Podemos entender o período que vai de 1991 a 2011 como um grande e único ciclo político. PSD e PS governaram esses 20 anos, com predomínio dos socialistas. Mas não governaram de modo diferente. O PSD convenceu primeiro os eleitores de que era melhor a erguer o grande Estado no qual depositámos todas as nossas esperanças. O PS convenceu-os a seguir de que era melhor a conservá-lo, aproveitando as brechas para o fazer crescer ainda mais. Durante estas duas décadas os métodos dos governos não foram diferentes: espalharam nomenclaturas partidárias, inflacionaram expectativas, aquartelaram os interesses. Foi um jogo voluntarista em que ninguém perdeu. Os banqueiros e a fauna das obras públicas tiveram o que queriam. Mas também os funcionários públicos ou os beneficiários do rendimento mínimo. O regime parecia não ter descontentes.

A entrada no euro e a imensa disponibilidade e alternativa do endividamento serviram para sustentar este modo de vida artificial. Isto teve consequências. Desde o fim dos anos 90 que, salvo anos excepcionais, fomos de défice em défice e sofremos sistemáticos aumentos de impostos para os pagar. Pagámos a continuada subida da despesa pública com medíocre desempenho económico. Camuflámos os números do desemprego com situações de semiocupação. Vivemos todo este tempo a pensar na política como gestão porque nunca fomos obrigados a verdadeiras escolhas. O resultado não foi uma democracia de cidadãos conscientes e esclarecidos sobre o país onde viviam, mas um regime de súbditos e clientes que, além de não se aperceberem de que os seus votos eram uma moeda de troca para os governos, também nunca tiveram de pensar em alternativas ao seu modo de vida. A entrada em cena da troika representou o fim do ciclo 1991-2011 e o início de outro. Queiramos ou não, este é o governo que tem menos espaço de manobra para gerir criativamente o ciclo político, com o recurso à habitual distribuição de pechinchas e favores. Agora, o regime passou a produzir real insatisfação e não há mais para gerir a não ser expectativas frustradas. Agora, os nossos políticos têm de largar a gestão dos ciclos e a arbitragem de grupos, para passarem a fazer política a partir do confronto entre diferentes visões do mundo.

Ao contrário do que dizem, não vivemos um PREC de direita porque o poder não está nas ruas. Vivemos sim um tempo de repolitização de uma sociedade que, por diversas razões, a tinha perdido, ou dela se tinha ilusoriamente privado. Fazer política é fazer as escolhas a que o "administrativismo" anterior nos poupou. Precisamente por isso, este é também o tempo em que os partidos de esquerda perderam o monopólio da política e têm de ir a jogo num mundo que mais do que nunca os desafia.

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