Mandarim ou caça?
Inês Teotónio Pereira , i-online 28 Jul 2012 - 03:00
Percebi o óbvio: os nossos filhos devem ser a geração mais ignorante de toda a história da humanidade
Desde que a crise assentou arraiais e o princípio do fim foi anunciado que a educação dos meus filhos tomou uma proporção desmesurada na minha vida. O que até então tinha sido um processo mais ou menos descontraído e imperativo – “tira os pés da mesa”, “come de boca fechada”, “vai lavar os dentes”, “vai estudar”, etc. – passou a ser uma prioridade muito mais intensa, densa, dramática mesmo. Educá-los passou a ser uma questão de sobrevivência – a sobrevivência deles. De repente – e foi de um dia para o outro, depois de assistir a uma daquelas entrevistas trágicas do prof. Medina Carreira –, senti-me num daqueles episódios do National Geographic dedicados à educação das crias, que são ensinadas de forma implacável a caçar ou a fugir dos predadores para conseguirem sobreviver à selva. Assumi- -me, então, como uma dessas mães que não dão quaisquer abébias aos filhos, de forma a prepará-los para a vida. Sem piedade. A questão é vencer ou morrer. E com drama. Muito drama.
Então, de forma pragmática, elenquei mentalmente algumas das competências essenciais que os tornem mais, vá, capazes de sobreviver ao abismo do desconhecido (dramático). Comecei pela escola – o mais fácil: disse-lhe e repeti-lhes várias vezes (todos os dias) que, se eles não estudarem, vão morrer à fome, assim como os filhos deles – umas pobres crianças que não têm culpa nenhuma de terem uns pais calões que dedicaram mais tempo à playstation do que à matemática. Ponto. Todos têm estudado com afinco.
O pior foram as outras competências: arrumar a roupa, lavar o chão, fazer as camas, descascar fruta, fazer arroz, atarraxar lâmpadas, aspirar, lavar loiça e estender roupa. Coisas básicas que eles não fazem ideia de como têm aparecido feitas. É certo que os meus filhos ainda são crianças e que até devem estar proibidos por lei de acenderem um fósforo, mas estamos ou não estamos a viver uma época dramática? Estamos. Por isso, por eles, empenhei-me a ensinar-lhes estas tarefas. Um desastre.
Percebi o óbvio: os nossos filhos devem ser a geração mais ignorante de toda a história da humanidade. Eles cresceram numa época em que tudo tem de ser funcional. Tudo tem um único objectivo: que possamos todos passar mais tempo a fazer nada. Quanto menos se souber, melhor – quer dizer que se tem tudo feito. Por isso, não há nada para aprender. E nós, pais, não temos nada para ensinar.
Já nem as camas se fazem, puxamos o edredão para cima e está feito; o arroz cozinha sozinho; se a televisão se estraga, ligamos para um número qualquer e aquilo arranja-se pelo telefone; os candeeiros já compram com as lâmpadas e quando se estragam compra-se um novo que é ao mesmo tempo das lâmpadas; a comida compra-se meia feita; até existe uma fita-cola para fazer as bainhas. Nada se arranja, tudo se compra. Nada se planta, cultiva ou cria – o princípio da cadeia alimentar, ou de produção, são as prateleiras do supermercado.
Ou seja, no dia em que não haja dinheiro para ir ao McDonald’s, ou para comprar caldos Knorr, ou para pôr gasolina no carro, ou para comprar ovos no supermercado, voltamos todos à Idade da Pedra a atirar pedras aos animais. Não há meio-termo.
Concluí, por isso, que os meus filhos estão tramados. Não têm o que aprender (além do currículo nacional…) e tudo o que sabem é capaz de não lhes servir para nada. Estou na dúvida se para o ano os inscrevo no mandarim ou num curso de caça aos bisontes… Existe?
Percebi o óbvio: os nossos filhos devem ser a geração mais ignorante de toda a história da humanidade
Desde que a crise assentou arraiais e o princípio do fim foi anunciado que a educação dos meus filhos tomou uma proporção desmesurada na minha vida. O que até então tinha sido um processo mais ou menos descontraído e imperativo – “tira os pés da mesa”, “come de boca fechada”, “vai lavar os dentes”, “vai estudar”, etc. – passou a ser uma prioridade muito mais intensa, densa, dramática mesmo. Educá-los passou a ser uma questão de sobrevivência – a sobrevivência deles. De repente – e foi de um dia para o outro, depois de assistir a uma daquelas entrevistas trágicas do prof. Medina Carreira –, senti-me num daqueles episódios do National Geographic dedicados à educação das crias, que são ensinadas de forma implacável a caçar ou a fugir dos predadores para conseguirem sobreviver à selva. Assumi- -me, então, como uma dessas mães que não dão quaisquer abébias aos filhos, de forma a prepará-los para a vida. Sem piedade. A questão é vencer ou morrer. E com drama. Muito drama.
Então, de forma pragmática, elenquei mentalmente algumas das competências essenciais que os tornem mais, vá, capazes de sobreviver ao abismo do desconhecido (dramático). Comecei pela escola – o mais fácil: disse-lhe e repeti-lhes várias vezes (todos os dias) que, se eles não estudarem, vão morrer à fome, assim como os filhos deles – umas pobres crianças que não têm culpa nenhuma de terem uns pais calões que dedicaram mais tempo à playstation do que à matemática. Ponto. Todos têm estudado com afinco.
O pior foram as outras competências: arrumar a roupa, lavar o chão, fazer as camas, descascar fruta, fazer arroz, atarraxar lâmpadas, aspirar, lavar loiça e estender roupa. Coisas básicas que eles não fazem ideia de como têm aparecido feitas. É certo que os meus filhos ainda são crianças e que até devem estar proibidos por lei de acenderem um fósforo, mas estamos ou não estamos a viver uma época dramática? Estamos. Por isso, por eles, empenhei-me a ensinar-lhes estas tarefas. Um desastre.
Percebi o óbvio: os nossos filhos devem ser a geração mais ignorante de toda a história da humanidade. Eles cresceram numa época em que tudo tem de ser funcional. Tudo tem um único objectivo: que possamos todos passar mais tempo a fazer nada. Quanto menos se souber, melhor – quer dizer que se tem tudo feito. Por isso, não há nada para aprender. E nós, pais, não temos nada para ensinar.
Já nem as camas se fazem, puxamos o edredão para cima e está feito; o arroz cozinha sozinho; se a televisão se estraga, ligamos para um número qualquer e aquilo arranja-se pelo telefone; os candeeiros já compram com as lâmpadas e quando se estragam compra-se um novo que é ao mesmo tempo das lâmpadas; a comida compra-se meia feita; até existe uma fita-cola para fazer as bainhas. Nada se arranja, tudo se compra. Nada se planta, cultiva ou cria – o princípio da cadeia alimentar, ou de produção, são as prateleiras do supermercado.
Ou seja, no dia em que não haja dinheiro para ir ao McDonald’s, ou para comprar caldos Knorr, ou para pôr gasolina no carro, ou para comprar ovos no supermercado, voltamos todos à Idade da Pedra a atirar pedras aos animais. Não há meio-termo.
Concluí, por isso, que os meus filhos estão tramados. Não têm o que aprender (além do currículo nacional…) e tudo o que sabem é capaz de não lhes servir para nada. Estou na dúvida se para o ano os inscrevo no mandarim ou num curso de caça aos bisontes… Existe?
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