Cartinha de Natal para Passos e Gaspar
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Quarta, 18 de Julho de 2012
Caríssimos, continuo a ter consideração por V. Exas.
Aceitar governar Portugal no pós-Sócrates foi mais ou menos como aceitar treinar o Benfica no pós-Artur Jorge.
Só isto chegava para que V. Exas. merecessem uma dose apreciável de respeito. E, para mal dos pecados de muita gente, este respeito aumenta quando percebemos uma coisa que ainda é um segredo lesa-pátria: o memorando começa a dar resultados.
As exportações continuam a subir e as importações começaram a descer ; a notícia não teve o impacto merecido, mas Portugal está mesmo a caminho de um excedente comercial. Há um ano, quem é que acreditaria em semelhante coisa? O maior dos nossos males - o défice externo - está a ser eliminado a uma velocidade fittipaldesca. A estrutura do edifício, a começar no bem-estar social da população, depende deste equilíbrio externo. Em paralelo, a poupança dos portugueses continua a subir, ou seja, temos mais um elemento para o combate à dependência do crédito externo.
Portanto, no meio do ruído justo e injusto que é feito em redor do governo, uma coisa é certa: V. Exas. podem dizer que Portugal está a fazer o seu ajustamento a uma velocidade inesperada. Se continuar assim, Portugal será mesmo um caso de sucesso. O que é espantoso é que V. Exas. não conseguem colocar este sucesso na agenda. Esta trajectória positiva de Portugal tem mais eco na imprensa internacional do que na imprensa portuguesa . É só má vontade dos jornalistas, ou V. Exas. têm uma péssima política de comunicação? Bom, com ou sem comunicação, os meus caros amigos têm hoje condições para renegociar com a troika. Não, não se trata de pedir mais tempo ou mais dinheiro.
Os meus caros amigos devem, isso sim, exigir um regime mais flexível sobre os limites do défice. Esses limites são um meio, e não o fim. Como já vimos, o fim está a ser alcançado: a tal mudança de vida da sociedade portuguesa. Os 4,5% em 2012 são apenas a cenoura, tal como os 3% em 2013. Ora, se o objectivo está a ser alcançado (com muita dor e suor ), V. Exas. têm o dever de livrar os portugueses de mais impostos extraordinários, que, neste contexto, seriam injustos e desnecessários. Injustos, porque atingiriam os trabalhadores dos sectores privados, os mais afetados pela crise e aqueles que estão a virar a nossa balança comercial. Desnecessários, porque, como já vimos, o objectivo do memorando da troika (equilíbrio exportações/importações; reformas estruturais adiadas durante décadas) está a ser alcançado. O anúncio de mais impostos extraordinários lá pelo Natal seria, portanto, contraproducente. Os meus caros amigos não podem ser mais papistas do que o Papa. E, se o Papa for inflexível, se a troika não sair dos 4,5%, então V. Exas. têm de provar que não são meros técnicos de uma entidade exterior.
A sociedade portuguesa, a caminho de um excedente comercial e na redescoberta da poupança, merece um suspiro de alívio neste Natal.
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