A pergunta

i-online 14 Jul 2012
Inês Teotónio Pereira
O pior é durante as férias, altura em que não há álibi, não há nada. Somos apenas nós e eles, sozinhos
Desde o primeiro dia de férias que os meus filhos me perguntam laconicamente – e não falham um dia: “O que é que eu vou fazer amanhã?” Todos os dias eles entregam o dia de amanhã nas minhas mãos e confiam que eu cumpra a tarefa de ocupá-los com competência, usando para o efeito meios, criatividade, contactos, ajudas, logística, etc.
Ora bem, esta frase, esta pergunta, que parece inocente e até normal, não é: ela encerra em toda uma doutrina e disfarça em si um neurótico ensaio de sociologia. Esta frase podia mesmo ser o título de um livro: “O que é que eu vou fazer amanhã? O ensaio sobre uma geração”. É que por de trás desta profunda questão sobre o amanhã, está a entrega preguiçosa e automatizada dos filhos aos pais e a obediência bovina dos pais. Ou seja, um ensaio sobre nós, os tristes, e os nossos filhos, uma espécie de tamagotchis humanos.
Ora, o período em que esta bizarra situação se revela com toda a clareza, em todo o seu esplendor – em que a neurose desta convivência se destaca – é exactamente durante as férias. E porquê? Porque esta é a época em que o Estado se demite de acolher os nossos filhos dentro dos portões seguros das escolas (vai de férias, o Estado) e entrega-os ao nosso cuidado, deixando-os inteiramente à nossa responsabilidade, em regime de jornada contínua.
Ora, é então que se torna visível que nem os pais nem os filhos estão preparados para um programa tão ambicioso quanto este, para três meses de tamanha responsabilidade. E isto porque nós pais funcionamos assim: quando os nossos filhos estão sob a nossa responsabilidade somos obcecados e temos de saber tudo o que eles fazem a cada momento – o que só se consegue fazer durante um máximo de dois dias, durante um fim-de-semana (deve ser por isso mesmo que os fins-de- -semana duram dois dias); quando eles não estão à nossa responsabilidade, nem queremos saber – a escola ou a avó que se desenrasquem, que os aturem que a malta está a trabalhar. Por isso é que durante as aulas tudo corre bem, há paz, e quando não corre a culpa é obviamente da escola. O pior é que durante as férias, altura em que não há álibi, não há nada. Somos apenas nós e eles, sozinhos.
Nas férias é todo um mundo novo que todos os dias se revela. É quando a pergunta “O que é que eu vou fazer amanhã?” soa mais assustadora do que a sinistra ameaça “Eu sei o que fizeste no Verão passado”.
Enquanto as nossas férias não coincidem, resolvemos o assunto arrumando as crianças em qualquer lado (avós, creches, ATL, vizinhos, amigos, campos de férias, etc.). Bom. Mas quando as nossas férias coincidem, é o fim. Não sabemos o que fazer. Como é… Pois, se por um lado temos de descansar, por outro temos de os entreter – uma óbvia contradição.
No entanto, este ano fez-se luz. E descobri, ao fim de vários Verões a fazer de colónia de férias, que aquilo que as crianças querem fazer nas férias é, afinal, simples: ou seja, é nada. As crianças, meus senhores, (e aqui vai a notícia do ano) tal como os pais, só querem que os deixem em paz durante as férias, sem planos, sem ideias, sem desgaste, sem stresse. E, muito importante, sem horários. Descobri que o ideal de férias em família é nada. Nadinha. Apenas isso. Nada, em família. E se alguém quiser fazer alguma coisa, que o faça baixinho.

Comentários

Anónimo disse…
As minhas férias de criança e juventude é que me deram a preparação para a vida. Não é o programa de amanhã que interessa, é o programa de todo o período de férias. Férias passadas em sítios saudáveis, sem horários, mas onde haja coisas para descobrir que suscintem a curiosidade. Férias sem fazer nadinha...que tristeza!

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