O manifesto anti-troika

Sol 9 de Julho, 2012por José António Saraiva

Um manifesto promovido por Carvalho da Silva, ex-líder da CGTP que não quer sair de cena, e subscrito por um grupo de pessoas como Vasco Lourenço, João Semedo, Boaventura Sousa Santos, António-Pedro Vasconcelos ou Sérgio Sousa Pinto, insurge-se contra o memorando da troika e a austeridade imposta pelo Governo.

O seu conteúdo pode ser sintetizado pela metáfora do homem que estava a ensinar o cavalo a não comer.
A história era esta: num dia o dono do cavalo dava-lhe uma determinada quantidade de ração; no dia seguinte dava-lhe uma quantidade um pouco menor, para ele não dar por isso; e assim por diante, até ao dia em que o animal se desabituasse de comer.
A dada altura, porém, o homem apareceu consternado e comunicou aos amigos que o cavalo tinha morrido: «Vejam lá, o pobrezinho morreu quando estava quase a habituar-se a não comer».
Os subscritores do manifesto pensam o mesmo: acham que, de austeridade em austeridade, Portugal vai sucumbir.
Eu julgo que não têm razão.
Vamos por partes. Mesmo admitindo que a política imposta pelo memorando da troika fosse um erro crasso, o Governo não tinha forma de lhe escapar.
Portugal estava à beira do default, como dizem os economistas, e era impossível fugir à ajuda externa.
E essa ajuda foi dada mediante o compromisso de o país adoptar determinadas medidas políticas, económicas e sociais.
Se o não fizesse, a assistência financeira não viria – e não haveriadinheiro para pagar nada.
Além disso, Portugal perderia definitivamente a credibilidade internacional, o que significaria duas coisas: não teria quem lhe emprestasse dinheiro no mercado (e quem o fizesse exigiria juros altíssimos) e ninguém investiria cá nem mais um cêntimo (o que seria dramático, perante a notória falta de capital disponível no país).
Portanto, Portugal tinha de cumprir o Memorando.
Isso está fora de questão.
E teria de o cumprir até ao fim.
Não fazia sentido, como alvitrou Manuela Ferreira Leite, pedirmosmais tempo quando ainda mal tínhamos começado a fazer o que ficara estabelecido.
Isso também não contribuiria nada para a nossa credibilidade.
Dizem os cépticos: mas não será pior falharmos agora as metas?
Não, não é pior.
Portugal tinha de mostrar à troika e aos mercados que era capaz de concretizar as medidas a que se havia comprometido perante os credores.
E isso hoje é enaltecido por todos os responsáveis internacionais.
O país está a cumprir exemplarmente a sua parte no acordo.
Assim, se as metas não forem atingidas, a culpa será, sobretudo, da troika – e não nossa.
O que significa que serão o FMI, o BCE e a União Europeia a ter de assumir a sua responsabilidade no que não correr bem, propondo formas de o resolver.
Caso contrário, isto é, se fôssemos nós a não cumprir o acordado, teríamos de ser nós a descalçar a bota.
Certas pessoas – como alguns subscritores do manifesto – raciocinam como raciocinavam há 40 anos, no 25 de Abril, quando Portugal estava isolado do mundo e podia fazer o que quisesse sem dar cavaco a ninguém.
Podia imprimir moeda, desvalorizar a moeda, subir os salários, deixar crescer a inflação, etc.
Só que o mundo, entretanto, mudou.
O mundo globalizou-se.
A nível planetário, há hoje uma coisa que se chama ‘mercados’, que a esquerda e a direita mais dura odeiam, mas a que ninguém pode fugir.
Ninguém pode cortar com eles nem viver sem eles.
Os mercados podem aqui e ali ser manipulados, podem enganar-se – mas existem e, de uma forma geral, tendem a reflectir a realidade.
Mesmo que essa realidade nos custe a ouvir.
E, enquanto a nossa situação financeira for titubeante, não nos livraremos deles.
Nenhum manifesto, por mais voluntarista que seja, alterará esta situação.
E ainda bem – digo eu.
Os mercados têm muitos defeitos mas uma grande vantagem: obrigam o mundo a viver cada vez mais na esfera do concreto e cada vez menos nas águas das ideologias.
Antes, tínhamos países – como a extinta URSS e seus satélites, ou a longínqua China – onde a ideologia se impunha aos mercados pela força e fabricava ‘verdades’ que não existiam.
Com a globalização dos mercados, isso tornou-se cada vez menos possível.
Ainda que alguns – com a melhor das intenções, admito – sonhem com o dia em que um Governo português ‘forte’ rompa com o FMI e com a União Europeia, e ponha os mercados ‘na ordem’.

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