Justiça e igualdade

DN 2012-07-16
João César das Neves
O Tribunal Constitucional proibiu o corte do 13.º mês e do subsídio de férias aos funcionários e pensionistas, peça central do programa de austeridade. Esta decisão, gravemente errada, até pode ser benéfica.
Os meritíssimos juízes, no Acórdão n.º 353/12 sobre os artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30/12 (OE de 2012), trataram de matéria jurídica, que conhecem melhor que ninguém. Mas economicamente dizem uma tolice e cometem enorme injustiça. O principal argumento invocado é a violação do princípio da igualdade (II B, III B). Ora, como diz o próprio acórdão, "o princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença" (II 12). Mas os funcionários públicos e pensionistas não estão em situação de igualdade com os outros trabalhadores.
Primeiro, enquanto os salários dos sectores produtivos são pagos com produto do seu trabalho, os dos funcionários e pensionistas são pagos pelos impostos dos primeiros. Tudo o que consumimos vem exclusivamente do nosso produto nacional, obtido apenas nas empresas. Os serviços públicos, até os válidos e úteis, são alimentados com a colecta fiscal sobre esse produto. Isso, não só mostra que invocar a igualdade não faz sentido, mas até recomenda prudência, pois se o tal princípio mal aplicado estrangular fiscalmente as empresas, desaparece o valor que nos alimenta a todos.
Em segundo lugar, quando se fala em igualdade é preciso considerar a totalidade dos sacrifícios, não apenas parte. Ao longo dos últimos anos (a crise começou em 2008, senão logo em 2001) as empresas privadas têm sofrido múltiplas reduções de salários e regalias, ou até a sua eliminação total, por falência ou despedimento. A crise foi causada por erros públicos e privados, mas as empresas há muito pagaram os seus, enquanto a administração assistia impávida e até complicava. Entre os 820 mil desempregados não existe um único funcionário público ou pensionista. Em tudo isso o Tribunal nunca invocou a tal igualdade. Agora quando o sector público é finalmente chamado a partilhar os sofrimentos, vêm os juízes, que também são funcionários, falar em violação do princípio da igualdade. Podem saber muito de Constituição, mas não se preocupam com a mais elementar justiça.
Apesar das falácias e erros, o Acórdão tem a possibilidade de ser positivo, se finalmente levar o Governo às medidas que resolveriam a crise. Porque o corte dos subsídios pouco contribui para tratar as nossas dificuldades. Trata-se de um expediente rápido, justificado apenas pela emergência em que o País se encontrava há um ano. O remédio foi súbito, mas apenas transitório, para dar tempo à solução duradoura.
Isto não é novidade. Aliás foi sucessivamente repetido, pois esta é a quarta emergência orçamental do século. Das três vezes anteriores, como agora, os sintomas foram tratados provisoriamente, para a doença ressurgir daí a tempos. Guterres em 2001, Barroso em 2003 e Sócrates em 2005, como Coelho em 2012, subiram impostos e reduziram salários públicos. Desta vez a dose é maior precisamente porque a coisa piora com o tempo.
A única cura, sempre anunciada e nunca realizada, viria de uma verdadeira reforma do Estado, com extinção de múltiplos serviços inúteis ou ociosos, redução drástica de outros e adopção de uma atitude geral de parcimónia e respeito pelo dinheiro dos contribuintes. Como as empresas fizeram já, a nossa máquina pública tem de aprender a viver com o que temos, curando a sua toxicodependência do crédito externo. Numa palavra, o contrário da posição dos últimos anos, que nos trouxe à crise.
Se esta decisão do Tribunal obrigasse o Governo a enfrentar a realidade, então o Acórdão n.º 353/12 seria um momento decisivo do complexo processo que nos levará a novo surto de desenvolvimento. Só há dois problemas: a baixa probabilidade de os ministros terem força e coragem para as tão necessárias reformas e a alta probabilidade de elas serem declaradas inconstitucionais pelos meritíssimos juízes.

Comentários

Tomaz disse…
Caro João Luis
A única solução é pagar aos funcionários públicos não em termos médios ou de carreira mas tendo como critério a sua produtividade marginal, o que é fácil de aferir para grande parte dos funcionários públicos; pelos menos os que trabalham com o público como os da saúde, da educação e da justiça. Se não se for por aí nunca mais se aumenta a produtividade do Estado.

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