A greve dos médicos é uma comédia
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Terça feira, 10 de julho de 2012
Vamos lá colocar as coisas em perspetiva.
Estamos em Portugal e, se a minha memória não me falha, estamos em 2012. Ou seja, estamos num país falido; sem a troika, não haveria dinheiro para pagar salários aos médicos e ao restante funcionalismo. E, já agora, estamos num país onde toda a gente está a perder dinheiro devido ao aperto de cinto provocado pelo excesso de dívida estatal e privada, e onde milhares e milhares estão no desemprego. É neste lugar que uma classe privilegiada vai fazer greve. Humor do bom, sem dúvida.
Vamos lá colocar as coisas em perspetiva.
Um médico, seja ele qual for, tenha ele a idade que tiver, é alguém que está numa posição privilegiada. No tal Portugal lunar de 2012, esta classe profissional navega no pleno emprego. Ao sair da faculdade, um jovem médico tem sempre colocação e, se não me engano, os médicos já entradotes mantêm promoções na carreira (na restante função pública, as promoções estão congeladas). Em anexo, convém registar que o ministério, marcado à Mozer pela troika, já garantiu o preenchimento de 1000 vagas até ao final do ano (outra prática proibitiva nos restantes braços do Estado). Ora, mesmo com todos estes benefícios garantidos num cenário de emergência nacional, a Ordem dos Médicos convocou uma greve. O Bruno Nogueira que se cuide.
Vamos lá colocar as coisas em perspetiva.
Qual é a razão apresentada pela Ordem? Pelo que percebo, o ministro resolveu baralhar as contas das horas extraordinárias. O número geral de horas está a ser diminuído e, acima de tudo, há uma diminuição do valor a pagar por cada hora: há dois anos, o Estado pagava 80 euros por hora, e agora paga entre 25 e 30 euros. Eis, portanto, a razão da greve. Receber 30 euros por cada hora extraordinária é, sem dúvida, uma exploração feudal, mas eu só queria fazer uma pergunta: como é que o Estado português, que não é rico, podia pagar 80 euros por hora? Assim já percebo como é que aquele médico do Algarve conseguiu receber 750 mil euros num só ano: deve ter trabalhado 50 horas por dia a 80 euros à hora.
Está tudo muito bem, sim senhor. Está tudo tão espectacular que eu até recomendo uma coisa à Ordem dos Médicos: dêem os direitos de autor da greve aos Gatos Fedorentos ou ao Bruno Nogueira.
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