Os filhos, os amigos e as mães deles

Inês Teotónio Pereira, i-online, 2016.02.02

Uma mãe preocupa-se com as companhias dos filhos. É assim desde sempre. Nós queremos saber quem tudo sobre os amigos deles, o que fazem, do que falam, como são, do que gostam, etc. 
Somos coscuvilheiras por natureza e historicamente temos a mania de nos meter na vida dos outros. Ora, sendo os outros os nossos filhos, não fazemos qualquer cerimónia na coscuvilhice. E chamamos a isso educação. Quando os filhos são pequenos a coisa controla-se com facilidade: somos nós que escolhemos os amigos deles e não há mais conversa.
Da mesma forma que escolhemos as papas que eles comem e o leite que eles bebem, também achamos que temos o poder, o direito, o bom senso de escolher com quem eles se devem dar. Faz sentido. A nossa preferência vai invariavelmente para os filhos dos nossos amigos. Nem queremos saber como eles são, não nos interessa pormenores, basta saber que são filhos dos nossos amigos que isso chega como currículo de amizade. Se os pais servem para amigos, os filhos deles também devem servir para a criançada. E assim, entre festas de anos, lanches e passeios, as amizades solidificam. É com base nesta lógica que apresentamos os filhos dos nossos amigos aos nossos filhos e fazemo-lo da mesma forma que lhes enfiamos colheradas de sopa pela goela abaixo. Quando eles são pequeninos nós não lhes arranjamos amizades, impingimos amizades. “Vai brincar com ele… O menino tem a tua idade”. O processo normalmente é difícil e quase sempre as coisas não acabam bem. As crianças dificilmente percebem o que é que a idade tem a ver com o querer brincar e muito menos querem saber dos pais das outras crianças.
Os pais não são argumento para a empatia. E ali ficam os miúdos, a olhar uns para os outros, quando não se pegam em discussões ou lutas surdas de intimidação. É confrangedor mas nós insistimos. para nós é fundamental cimentar estas amizades por uma questão logística e porque assim solidificamos ainda mais as amizades com os nosso amigos. é mais um elo que nos une. Além disso, nós, mães, que temos como objectivo de vida conseguir passar tardes com as amigas em conversas intermináveis sobre a origem do universo e as vidas das outras amigas, precisamos que os nossos filhos brinquem uns com os outros para termos sossego. E insistimos. O resultado está em todos os livros: são exactamente os filhos dos nossos amigos que não são amigos dos nossos filhos. Raramente há coincidência.
Até que eles crescem com amizades à nossa revelia, deixam de confiar em nós como conselheiras sociais, e acabamos nós por ficar amigas das mães dos amigos dos nossos filhos. O processo inverte-se, portanto. Mas eles evoluem ainda mais: passam a infância e nós ficamos completamente tramadas. É então que  perdemos literalmente o pé e o rasto das amizades dos nossos filhos. Quem são? O que fazem? Do que gostam? São bons alunos? Quem são os pais? Moram onde? Pois eu cheguei a esta fase. A maioria dos amigos dos meus filhos mais velhos só conheço de nome e alguns só conheço um bocadinho melhor graças ao Facebook e ao meu trabalho de detective. Resta-me, então, confiar no discernimento social da criançada. Ora, isto é um enorme problema para qualquer mãe: nós não confiamos em nada que não seja palpável, visível ou susceptível de ser comprovado cientificamente. Além disso, temos pânico das chamadas más influências visto que os nossos meninos são ingénuos, muito crédulos e, por isso, influenciáveis. Nós sabemos do fundo do coração que os disparates que eles possam fazer têm origem nas más companhias. Em mais nada, pis geneticamente são imaculados. Daí a nossa angústia perante o desconhecimento. Sim, eu sei, devemos convidar os amigos dos nossos filhos para conviverem em nossa casa e assim passamos a conhecê-los ou, em linguagem de mãe, a controlá-los. Estou nessa fase: convencer os meus filhos a trazer os amigos cá para casa.
Mais crianças/adolescentes/jovens, portanto. Mas é mesmo assim, é conhecendo os amigos dos nossos que os conhecemos a eles mais um bocadinho. Por exemplo, no outro dia perguntava a um dos meus filhos com 11 anos se as raparigas que fazem parte do grupo dele também jogam à bola, pois este meu filho só joga à bola (acho eu). A resposta contribuiu para conhece-lo um bocadinho melhor: "Às vezes... É assim, mãe: elas são assim como nós (ele e os outros rapazes do grupo) só que são raparigas". Está tudo dito: principalmente sobre este exemplo do género masculino que estou a criar.   

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