Vota-se, para quê?

ionline, 2014.05.23
Saragoça da Matta

Se numa "democracia" o soberano escolhe 'listas' com um 'x' e se nenhuma real responsabilidade vincula os eleitos... vota-se, para quê?
Tenha-se do Estado uma visão contratualista ou uma perspectiva de que é fruto da imposição do mais forte, prisma este mais consentâneo com a história, ninguém negará que o fundamento de qualquer democracia é o reconhecimento de que a soberania reside no povo. Questão diferente será saber, em cada momento, o que é o povo... mas isso são "outros Quintos".
Básico em democracia é aceitar que é ao colégio eleitoral - que se desejará o mais alargado possível (dentro de padrões de racionalidade) - que pertence o poder de determinar o seu futuro, escolhendo quem conduz os destinos colectivos e quais os caminhos por onde tal condução passará. Todo e qualquer desvio a este princípio é uma excepção à pureza da democracia. Como excepção que é deverá ser restringida ao máximo, permitindo que o poder do colégio soberano seja o mais lato que a razão autorize.
Se as decisões que integram o âmbito das excepções à determinação do soberano forem muitas, muito importantes ou com âmbito muito extenso, ter-se-á de concluir que a democracia é aparente, limitando-se o soberano a delegações ocas de conteúdo. À emissão de cheques em branco aos políticos, que não se limitarão à condução dos destinos colectivos, mas a "comandar a colectividade". Serão autocracias. Autocracias "legitimadas" em aparentes consultas à vontade do eleitorado... missas de corpo presente, sendo o Soberano o defunto.
Exceptuam-se deste enquadramento as decisões que, sendo importantes, são tão emergentes que não permitem auscultar o soberano. Mas que sempre terão de ser sujeitas à sua ratificação. Sob pena de ter de se concluir do mesmo modo.
Se um Estado integra um grémio internacional, levando a perdas relativas da soberania que o sustenta, tal decisão não pode ser tomada pelos caudilhos que em certo momento ocupam a cadeira do poder. Tem de ser uma decisão do soberano. Se um Estado pretende alienar o poder de se defender, idem. Igualmente se um Estado quer abandonar a sua moeda e adoptar outra. O mesmo princípio quando o que está em causa é endividar por décadas o soberano.
Para tentar minorar o pendor autocrático do poder e tornar viável uma democracia em que o soberano apenas quadrienalmente é chamado a eleger os seus representantes, só há um caminho: os candidatos a conduzir os destinos do Estado apresentarem um programa eleitoral e a ele ficarem rigorosamente vinculados! Para se afastarem dele a decisão extravagante tem de ser submetida a escrutínio. E também a escolha dos representantes tem de ser "pessoal", i.e., uninominal, elegendo o soberano pessoa a pessoa, não amontoados de gente desconhecida. Mais: nenhum governante deveria poder sê-lo por escolha de outrem que não o soberano. Para os Conselhos de Ministros não resultarem de opções pardacentas e post eleitorais do líder de um partido político. É que deputados, primeiro-ministro, governo, não são soberanos. São titulares de um órgão "do" soberano. Este tem de escolher.
Se numa "democracia" o soberano escolhe "listas" com um "x" e se nenhuma real responsabilidade vincula os eleitos... vota-se, para quê?

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