À procura do povo
Nesta campanha, até as notabilidades dos grandes partidos são difíceis de identificar.
A televisão mete agora num canto qualquer dos noticiários grupos de indivíduos que, segundo parece, andam em campanha eleitoral. A gente que passa na rua ou está nas lojas não dá obviamente por isso.
Há candidatos (cabeças de lista) que não levam atrás de si mais do que cinco ou seis pessoas, que com certeza são pessoas de família ou amigos piedosos. Há outros que lá se arranjam para juntar meia dúzia de militantes num jantar ou num almoço melancólico, para lhes servir um discurso, quase sempre entusiástico e sempre absurdo na tristeza geral. Praças vazias, salas pequenas, cafés de bairro, uma traineira, uma praia, cenários de circunstância dão um sentimento de solidão e às vezes de angústia a quem assiste ao esforço dos pregadores, por que ninguém se interessa e ninguém vai votar.
Ainda por cima, com 16 partidos concorrentes, o cidadão comum não os distingue, nem sabe da existência deles. É preciso explicar quem defende animais, quem promete a "unidade da esquerda", quem quer acabar com o IVA da restauração, quem não gosta dos socialistas e quem jura, a pés juntos, que o "despesismo" não voltará jamais. Mas, no meio da confusão, as pessoas, que já não se interessam, acabam por se perder. De resto, num extraordinário reconhecimento da verdadeira ordem de prioridades, os candidatos resolveram não sair de casa por causa de um jogo de futebol. Suponho que terão percebido que ficavam por aí a vaguear sem sequer a companhia de um primo fiel ou se arriscavam a levar pedradas se distraíssem o público de coisas sérias.
Segundo os jornais, um grande herói do CDS declarou que o povo não lhe metia medo. Julgava provavelmente, por influência do dr. Soares, que o iriam vaiar. Mas não o vaiaram. Os vagos vestígios de povo que por acaso encontrou nem mesmo o reconheceram. E não admira. Nesta campanha, até as notabilidades dos grandes partidos são difíceis de identificar, fora do grupo de jornalistas que por obrigação os segue. Para a generalidade dos portugueses – em que me incluo – uma cara é uma cara e um político é um intruso que nos fala sem razão ou autorização. Peço, por isso, aos meus compatriotas, de resto notáveis pelo seu sentimentalismo, que de quando em quando tratem bem um político: basta um sorriso, uma palavra, uma palmadinha nas costas. Não custa nada que o povo se mostre um bocadinho às patéticas criaturas que até 25 de Maio estão ansiosas por conversar com ele. Verdade que a conversa é inútil. Mas não custa muito.
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