A vida não vivida
José Luís Nunes Martins
ionline, 2014.05.24
Faz sentido deixarmos de existir? Não. A prova evidente é que também não parece fazer grande sentido existirmos e... aqui estamos! Chegados do nada.
Em vários momentos da sua vida, cada pessoa dá-se conta da realidade da própria morte... o confronto com a ideia desta verdade pode mudar quase tudo. Deixam de se sentir os dias e as noites da mesma forma, porque se pressente o próprio apocalipse e, em função dele, reordena-se a vida. Claro, há quem nem seja capaz de perceber o básico e continue como se a morte fosse algo que apenas acontece aos outros.
Há um instinto primário em todos os seres vivos que os leva a lutarem pela sobrevivência. O homem será o único que tem consciência plena da inevitabilidade do seu fim temporal, lutando assim, mais do que pela sua vida, pela sua imortalidade, buscando garantir que a sua vida passa para além da própria morte.
A morte não tem de ser a frustração definitiva do desejo de felicidade.
Devemos agir sempre de acordo com o futuro que julgamos melhor, mas sempre sem grandes pressas nem perdas de tempo. Com toda a intensidade possível, mas com critério e sem exageros.
Será o medo da morte uma forma de amor incondicional à vida? De onde chega ao amor a garantia de que a morte não lhe impede a realização plena?
As perguntas pertinentes sem resposta não significam que haja falta de sentido ou verdade, mas tão só que vivemos um mistério... onde o nada aparente não tem de significar vazio, podendo mesmo ser o sinal de uma imensidão sublime.
Faz sentido deixarmos de existir? Não. A prova evidente é que também não parece fazer grande sentido existirmos e... aqui estamos! Chegados do nada. Nós, o leitor e eu, nós mesmos, não quaisquer outros em nosso lugar... outros filhos dos nossos pais ou de outros pais... não... Nós mesmos. Não somos seres insignificantes e dispensáveis. Cada um de nós faz sentido e faz parte do sentido da vida. Ainda que não saibamos como, porquê ou para quê...
Num cemitério estão, lado a lado, os restos dos corpos dos que deixaram saudades e dos que não as semearam. Cada um de nós escolhe a sua vida, embora ninguém possa assumir-se como causa principal de si mesmo. Existimos, mas por um sentido que nos ultrapassa. Maior que a nossa compreensão. O que não somos é migalhas de uma explosão do acaso. Isso é que não faz sentido nenhum.
Temos pouco tempo, mas não parece. Basta que analisemos o quanto desperdiçamos em atividades supérfluas... Talvez a vida seja muito longa para alguns. Quando a esperança de vida aumenta, dilata-se-lhes a velhice e não a juventude... não sabem o que fazer com a vida.
Aproveitar o tempo não é fazer muitas coisas … é fazer o que é bom não só para esta fase da nossa vida, mas também para a sua totalidade, ser autor apenas do que em sentido de eternidade tem valor. Tudo o mais, por mais importante que possa parecer, é caduco.
A certeza da morte devia despertar-nos para o valor do tempo. A perspetiva de uma morte próxima faz com que se descubram as inúmeras belezas que há nas coisas mais simples. Mas estas perfeições estão sempre lá... por que razão não as sentimos e usufruímos sem ter de ser a morte a abrir-nos os olhos?
O silêncio com que sorrio e choro não é o mesmo. Mas será sempre uma mesma verdade que jaz no fundo do que sou. A certeza de que a minha história começou muitos anos antes de eu ter nascido. Uma eternidade antes.
Só vive a solidão da vida e da morte quem escolhe viver sem amor.
Há quem anseie pela vida eterna, mas desespere com a vertigem de uma tarde livre de domingo... que castigo será a imortalidade para quem não sabe amar! Afinal, a eternidade não é um tempo sem fim, mas a ausência do tempo... num amor infinito!
É pouco o nosso tempo aqui. Tratemos de garantir que depois da morte teremos saudades do que fizemos neste mundo, procurando a vida que há em cada dia, vivendo-a como um dom que merecemos e... levando-a dentro do coração!.
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