Do extraordinário ao impossível

José Luís Nunes Martins | ionline 2014.0531 
São as adversidades e os fracassos, muito mais do que os sucessos, que exigem decisões fortes e significativas, que nos obrigam a ser mais e melhor.
Há quem, carregando a sua cruz, coloque a sua atenção no peso da cruz; e há também quem, na mesma situação, se concentre na força que os seus ombros têm para suportar adversidades e para avançar apesar delas. A tristeza e a alegria profundas, na esmagadora maioria dos casos, escolhem-se.
Quem se leva ao limite... descobre-se sempre mais e sempre capaz de mais. Se as infelicidades parecem nunca acabar, também as forças para as ultrapassar parecem nunca se esgotar. E se é verdade que elas só se mostram quando são necessárias, a conclusão que devemos tirar – e que a nossa experiência comprova – é que todos nós temos muitas forças para além das que conhecemos.
A vida não tem um valor oculto que apenas alguns podem descobrir. O seu sentido resulta da construção da existência que nos é própria através de cada uma das nossas decisões. É o homem, cada um de nós, quem propõe e realiza o significado, o valor e o rumo da sua existência. O sentido da vida.
O que escolhemos, por que escolhemos e o tempo em que o fazemos, manifesta ao mundo, aos outros e a nós mesmos, a nossa identidade num determinado ponto da sua construção. O que escolhemos ser aí... e até aí.
As aventuras e desventuras pelas quais passo fundam-me enquanto pessoa. É certo que partimos de uma base, de um contexto, de um conjunto de possibilidades e de condições... a liberdade, porém, não é a ausência de obstáculos, mas aquilo que decidimos ser face a isso e a partir daí.
São as adversidades e os fracassos, muito mais do que os sucessos, que exigem decisões fortes e significativas, que nos obrigam a ser mais e melhor. As más experiências não destroem, de forma necessária, a identidade, permitindo também acordá-la e aperfeiçoá-la a fim de lhes sobreviver e de a tornar... maior e melhor.
Talvez não fossemos tão diferentes do que somos se ao nosso passado fossem retirados os melhores momentos da nossa existência... mas talvez fossemos irreconhecíveis se, por um qualquer feitiço, nos livrassem das nossas piores desgraças, das dores mais profundas pelas quais passámos... Afinal, é nessas alturas que nos escolhemos: que definimos a pessoa que queremos construir... os caminhos que para isso havemos de percorrer... o que somos... o que vamos ser.
O que mais nos magoa é também o que nos pode tornar mais atentos, temperantes, justos e fortes.
Qualquer dor, com sentido, torna-se suportável. E a força tem que estar ao serviço do sentido. A nossa noção tradicional, judaico-cristã, de um Deus todo-poderoso, diz-nos justamente que essa sua força se revela apenas na mais absoluta vulnerabilidade. Ao dar-me aos outros de braços abertos exponho-me a ser ferido. Mas de que vale a vida sem os outros? Ou qual é o sentido da solidão?
A fé é uma abertura. Um ato de confiança no que está para além do entendimento. Não contar com a certeza dos mistérios na vida é ficar-se apenas pelo que é sólido e superficial sem admirar o que há de mais profundo, ágil e belo... há quem, para ver e ouvir Deus, se recolha e se feche em si mesmo... mas há também quem lhe baste abrir os olhos para conseguir ver...
Todos temos forças para além daquelas que julgamos ter. É, pois, quando estamos fracos que escolhemos ser fortes. Porque é também quando levamos ao limite as nossas forças e os nossos talentos que... sem grande explicação... mais forças e talentos surgem... tornando-nos capazes de fazer o que antes era impossível!
A verdadeira felicidade é a desgraça vencida. 

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