Em defesa do pluralismo euro-atlântico

JOÃO CARLOS ESPADA Público, 26/05/2014 - 00:50
A preservação da União Europeia dificilmente será possível sem um entendimento pluralista do projecto europeu.
O leitor conhece hoje os resultados das eleições europeias que eu não conhecia na data em que escrevia este artigo. Apesar desta minha desvantagem, alguns conselhos de prudência podem ser adequados, mesmo antes de conhecidos os resultados finais.
Um primeiro óbvio conselho de prudência recomenda não esquecer a especificidade das eleições europeias. Não tendo directo impacto nos parlamentos nacionais, o voto (incluindo o não-voto) nas europeias tende a ser mais "solto" e "descomprometido". Exprime talvez melhor os "estados de alma" dos eleitores, mas seguramente não exprime as imediatas preferências governativas – que apenas estão em causa nas eleições nacionais. A tentativa de "nacionalização" dos resultados eleitorais europeus é por isso ilegítima e enganadora.
No plano europeu, a leitura dos resultados eleitorais constitui uma excelente ocasião para confrontar duas visões igualmente pró-europeias, mas fundamentalmente distintas: uma monista, tendencialmente dominante nos círculos pró-europeus, e uma pluralista.
A visão monista supõe que a causa europeia tem apenas um modelo possível: o da sempre crescente integração e centralização supranacional. Poderão existir divergências quanto ao ritmo e às modalidades dessa integração, mas não pode haver dúvidas quanto ao modelo a perseguir: o de "uma união sempre mais integrada".
A visão pluralista, pelo contrário, entende o projecto europeu sobretudo como um quadro de regras gerais, não como um modelo fixo e pré-determinado que deve ser atingido a todo o custo. A visão pluralista olha com cepticismo o modelo de sempre maior integração supranacional, frequentemente associada à expressão "Mais Europa". E receia que esse modelo na verdade possa ter como resultado "mais Europa com menos europeus".
A visão pluralista não é contra a União Europeia e não tem qualquer ponto de contacto com argumentos nacionalistas, proteccionistas e xenófobos que circulam hoje pela Europa. A União Europeia tem sido um extraordinário caso de sucesso e tem sido um seguro de vida para a democracia portuguesa, bem como a grega e a espanhola, que seguiram Portugal na inauguração da Terceira Vaga de democratização mundial, em 1974-75.
A UE, em associação com a NATO, tem sido igualmente um seguro de vida para a democracia reconquistada nos países da Europa central e de Leste, após a queda do Muro de Berlim, em 1989 – que Samuel Huntington classificou de segunda fase da Terceira Vaga de democratização iniciada por Portugal. Por outras palavras, a visão pluralista é a favor da União Europeia, mas contra um entendimento monista, supranacional, centralista e uniformizador da UE.
A visão pluralista também não é contra a Alemanha e não tem qualquer ponto de contacto com a demagogia anti-alemã que procura explorar e agravar as tensões entre os países europeus do Sul e os do Norte. Estas tensões não são resultado da política da Alemanha, mas sobretudo da ideia monista de que o euro tem de ser a moeda única europeia – em vez de apenas uma entre várias moedas europeias. No quadro apertado gerado pelo euro, que não foi aliás primeira escolha sua, a Alemanha tem seguido uma política prudente de respeito pelas suas próprias instituições democráticas. Compreensivelmente, o eleitorado alemão não aceita ter de garantir as dívidas de outros países da zona euro, pelas quais não foi responsável.
Por estas razões, a visão pluralista alerta para que uma interpretação centralista e uniformizadora da UE pode colocar a Alemanha numa posição indesejável: a de ser apresentada como culpada de políticas aplicadas noutros países, que na verdade resultam sobretudo da irresponsabilidade despesista desses países e de um entendimento centralista do euro e da União Europeia.
Finalmente, a visão pluralista também não é a favor de uma opção atlântica que seja entendida como oposta à opção europeia. Mas ela é seguramente contra o entendimento da opção europeia como contrária ou incompatível com a opção atlântica.
A preservação da União Europeia, enquanto casa comum das nações europeias, dificilmente será possível sem um entendimento pluralista do projecto europeu, em articulação com a dimensão atlântica. Foi a aliança euro-atlântica que garantiu a paz e a prosperidade na Europa desde o final da II Guerra. Chegou de novo a altura de recordar e defender o pluralismo euro-atlântico contra os sonhos monistas de uniformização – quer continentais, quer eventualmente insulares.

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