Tempo de sinais
Jorge Milia
In L'Osservatore Romano, 29.5.2014
© SNPC | 28.05.14
In L'Osservatore Romano, 29.5.2014
© SNPC | 28.05.14
Francisco que toca o muro de Belém enquanto reza. Francisco com Bartolomeu. O patriarca que o toma pela mão porque o chão é escorregadio. Francisco com os israelitas, com os palestinos, com os jordanos. Francisco, o papa, que encontra, abraça e reza com muçulmanos e judeus.
O vigário de Cristo não só observa e se abisma com a situação da Terra Santa, mas rebela-se também contra a opressão e a falta de diálogo entre quantos lá vivem sem conseguirem explicar porque é que é assim há tanto tempo, porquê tanta discórdia, porquê tanto sangue.
A realidade do altíssimo muro de betão em Belém, a estrutura que Bento XVI tinha pedido para superar, ergue-se diante dele e durante os encontros com os fiéis conterrâneos de Jesus, as pessoas do local onde Ele nasceu. Pede para parar, aproxima-se daquela barreira entre pessoas que vivem na região e reza com a mão apoiada no muro.
Nenhuma dúvida quanto ao peso dos gestos na comunicação de Francisco. Mas nenhum mal-entendido. Trata-se de uma mensagem para o mundo. A situação geral na Terra Santa não é outra coisa senão mais um sinal da injustiça e da intolerância que cada dia caracteriza um mundo onde cada um se recusa a escutar a voz do outro. Francisco critica o terrorismo que não tem outro objeto nem possibilidade de não ser apenas isso, terrorismo, mesmo se o deseja mascarar sob outras formas.
O papa não hesitou em dizer que é necessário que todos tenham «a coragem da generosidade e da criatividade ao serviço de bem», porque será esta premissa a permitir chegar ao «reconhecimento da parte de todos do direito de dois estados a existir e a gozar de paz e segurança entre limites internacionalmente reconhecidos».
Durante o encontro com Mahmoud Abbas, o papa lamentou um conflito que se prolonga há mais de meio século e no qual, «mesmo quando, afortunadamente, não irrompe a violência», a incerteza da situação produz «insegurança, negação de direitos, isolamento e êxodo de comunidades inteiras, divisões, carências e sofrimentos de todo o género».
Mas a impelir o Santo Padre foi a sua «proximidade a quantos sofrem maioritariamente as consequências de tal conflito», e por isso afirmou com veemência que «é hora de pôr fim a esta situação, que se torna cada vez mais inaceitável, e isto para o bem de todos».
É aqui que os cronistas ligados às regras do politicamente correto se questionam: pode um chefe de um Estado pronunciar-se de modo tão categórico sobre as relações entre outros dois estados? Mas não é seguramente isto que preocupa o papa. Talvez Francisco se tenha perguntado como é possível que em tanto tempo ninguém tenha conseguido alcançar a paz. Ou talvez o conflito dá frutos a quantos sabem mantê-lo no tempo?
As fronteiras, as barreiras físicas, preocupam muito menos Francisco do que o homem que sofre. O seu discurso não se envolve na questão territorial, mas visa o reconhecimento da existência do homem com um sentido cristão e, dentro dessa existência, o reconhecimento da dor, da injustiça e da negação da dignidade humana.
Francisco convidou as partes, convidou palestinos e israelitas a dialogar. Convidou os chefes de estado, Não foi o primeiro a fazê-lo. Mas convidou-os a ir mais além, convidou-os a rezar. E este rezar juntos não tem precedentes. Aquele que pede continuamente a todos os católicos «rezai por mim» dá um passo enorme ao convidar quantos estão em frentes opostas a rezar pela paz, mas também a ir mais além, convida a rezar juntos aqueles que a situação mantém em frentes opostos.
E tudo isto num mundo em que a oração parece ter-se tornado, e não só para os católicos, uma simplespassword da própria fé, desvalorizada com o tempo. O pedido «rezai por mim» mudou-lhe e atualizou o significado. Francisco restituiu aos católicos a oração, ou, dito de outro modo, restituiu os católicos à oração, mas fê-lo também com todo o mundo. As outras religiões não o veem como um antagonista, mas como um mestre.
A razão é simples, a sua gestualidade é a do primeiro passo. Não conjetura que o outro o dê primeiro, dá-lo ele. Rezemos por ele.
Comentários