Manual de instruções
Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.05.17
A minha teoria é que todas as teorias estão certas. A minha teoria é a teoria do "depende". Depende da birra, depende do contexto, depende da palmada, depende da criança
O facto de as crianças não virem com manual de instruções atrapalha terrivelmente a vida dos pais. O maior desejo de qualquer pai é mesmo esse, que as crianças nascessem com um livrinho debaixo do braço onde estivesse escrito tudo o que se tem de fazer em todas as fases de crescimento até ao dia em que eles se libertam do jugo dos pais. São várias as nossas dúvidas e as respostas, por mais que procuremos, são diversas e muitas vezes contraditórias. A doutrina sobre todas as questões relativas a crianças e a adolescentes está longe de ser pacífica. E nós, pais, absolutos ignorantes e muito pouco académicos, continuamos à procura, a ler e a investigar. Um livro de instruções, claramente, ajudava.
Mas não há. Não há nada tipo folheto do IKEA objectivo, simples e com desenhos que nos explique detalhadamente o que fazer perante uma birra, quando as crianças não querem dormir ou não querem estudar, como lidar com a internet ou com as mentiras, se devemos insistir que comam peixe e legumes nem que fiquem duas horas a jantar, até onde nos devemos meter na vida deles, para quando a primeira conversa séria sobre sexo, onde acaba o nosso querer e começa o deles, como ensiná-los a ser autónomos e responsáveis.
É certo que existem milhares de teorias, livros e teses sobre todos estes assuntos e que há umas décadas para cá que não deixam de se publicar livros, teorias e teses sobre tudo o que nos diz respeito ou aos nossos filhos. Mas o que nos deixa a nós, pais, doidos, é que tudo o que se publica, que vai da temática das birras à temática do "não" passando pelo flagelo da internet, consegue ser tão diverso que chega a ser contraditório. E nós estamos baralhados. Cada vez sabemos menos o que fazer.
Por exemplo, perante um birra no meio do supermercado em que a criança se atira para o chão porque quer levar o carrinho, ou porque quer um chocolate, o que fazer? Há quem diga que devemos conversar com a criança e tentar chamá-la à razão. Por outro lado, há quem ache que uma palmada resolve o assunto. Há outros que aconselham ignorar a birra. Mas há ainda uma facção que defende que se ceda à vontade da criança. Perante esta diversidade de conselhos, resta-nos, digo eu, não levar a criança ao supermercado.
Outro exemplo comum é o estudo. Estudar ou não estudar com o filho? E como? Há quem diga que sim, que os pais devem sentar-se ao lado dos filhos e ajudá-los nos trabalhos de casa custe o que custar. Outros dizem que não, que é contraproducente. Mas se ele não conseguir fazer os trabalhos? Então, tendo em conta a falta de tempo, o que fazer? A doutrina diverge.
Chegamos então à internet. A internet é o novo pesadelo dos pais. A internet é um mundo que os nossos filhos frequentam e que nós não controlamos. Achamos que controlamos, mas é ilusório. Já conseguimos tirar os nossos filhos da rua, já não os deixamos ir à mercearia sozinhos por causa dos raptos e dos pedófilos ou subir às árvores não vão eles cair, mas a internet veio estragar tudo. O acesso à internet é mesmo ilimitado e, comparando, uma ida à mercearia é uma brincadeira. Então bloqueia-se? Controla-se o histórico, mas o que fazer com os telemóveis? E com os amigos, que têm internet? A internet é uma ferramenta essencial de informação, de trabalho, etc. Então como conciliar? A doutrina diverge. Há milhares de teorias. Mas são tantas que ninguém sabe ao certo o que fazer e entretanto os miúdos continuam a navegar.
A minha teoria é que todas as teorias estão certas. A minha teoria é a teoria do "depende". Depende da birra, depende do contexto, depende da palmada, depende da criança, depende da escola, depende da idade, depende de tantas coisas que a única teoria certa é a do bom senso. A verdade é que nós, pais, se conhecermos bem os nossos filhos, somos o único manual de instruções credível. Temos é de os conhecer. É essa a principal instrução e a única teoria. Escreve ao sábado
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