Papa presidiu a missa junto ao local onde nasceu Jesus e lamentou lágrimas das crianças causadas pela fome, guerra, tráfico e falta de amor
Rui Jorge Martins
© SNPC | 25.05.14
© SNPC | 25.05.14
«Num mundo que descarta cada dia toneladas de alimentos e medicamentos, há crianças que choram em vão por causa da fome e de doenças facilmente curáveis.
Num tempo que proclama a tutela dos menores, comercializam-se armas que acabam nas mãos das crianças-soldado; comercializam-se produtos confecionados por pequenos trabalhadores-escravos. O seu choro é sufocado: o choro destas crianças é sufocado. Devem combater, devem trabalhar, não podem chorar.»
A oportunidade de presidir à missa junto à basílica da Natividade, em Belém, erguida sobre o local do nascimento de Jesus, ofereceu ao papa Francisco o contexto para centrar a homilia nos sofrimentos das crianças e no anúncio que elas continuam a ser no mundo.
«Que graça, grande graça celebrar a Eucaristia junto ao lugar onde nasceu Jesus», que é «o sinal dado por Deus a quem esperava a salvação, e permanece para sempre o sinal da ternura de Deus e da sua presença no mundo», afirmou o papa, citado pela Rádio Vaticano.
Excertos da homilia:
«O Menino de Belém é frágil, como todos os recém-nascidos. Não sabe falar, e no entanto é a Palavra que se fez carne, vinda para mudar o coração e a vida dos homens. Esse Menino, como todos os meninos, é frágil e precisa de ser ajudado e protegido.»
«Infelizmente, neste nosso mundo que desenvolveu a tecnologia mais sofisticada, há ainda muitas crianças em condições desumanas, que vivem à margem da sociedade, nas periferias das grandes cidades ou nas zonas rurais.»
«Muitas crianças são ainda hoje exploradas, maltratadas, escravizadas, objeto de violência e de tráficos ilícitos. Demasiadas crianças são hoje deslocadas, refugiadas, às vezes náufragas nos mares, especialmente nas águas do Mediterrâneo. De tudo isto nós hoje nos envergonhamos diante de Deus, de Deus que se fez Menino».
«Ainda hoje as crianças são um sinal. Sinal de esperança, sinal de vida, mas também sinal de diagnóstico para perceber o estado de saúde de uma família, de uma sociedade, do mundo inteiro. Quando as crianças são acolhidas, amadas, protegidas, tuteladas, a família é sã, a sociedade melhora, o mundo é mais humano.»
«Quem somos nós diante do Menino Jesus? Quem somo nós diante das crianças de hoje? Somos como Maria e José, que acolhem Jesus e dele cuidam com amor materno e paterno? Ou somos como Herodes, que quer eliminá-lo? Somos como os pastores, que vão à pressa, ajoelham-se para o adorar e lhe oferecem os seus humildes dons? Ou somos indiferentes?
Somos talvez retóricos e pietistas, pessoas que aproveitam as imagens das crianças pobres com o objetivo do lucro? Somos capazes de estar junto a elas, de "perder tempo" com elas? Sabemos ouvi-las, protegê-las, rezar por elas e com elas? Ou desprezamo-las, para nos ocupar-nos dos nossos interesses?»
«Talvez aquela criança chore. Chora porque tem fome, porque tem frio, porque quer estar ao colo... Ainda hoje choram as crianças, choram muito, e o seu choro interpela-nos. Num mundo que descarta cada dia toneladas de alimentos e medicamentos, há crianças que choram em vão por causa da fome e de doenças facilmente curáveis.
Num tempo que proclama a tutela dos menores, comercializam-se armas que acabam nas mãos das crianças-soldado; comercializam-se produtos confecionados por pequenos trabalhadores-escravos. O seu choro é sufocado: o choro destas crianças é sufocado. Devem combater, devem trabalhar, não podem chorar.»
«O Menino Jesus nascido em Belém, cada criança que nasce e cresce em cada parte do mundo, é sinal de diagnóstico que nos permite verificar o estado de saúde da nossa família, da nossa comunidade, da nossa nação. Deste diagnóstico sincero e honesto pode brotar um novo estilo de vida, onde as relações deixem de ser de conflito, de abuso de poder, de consumismo, mas sejam relações de fraternidade, de perdão e reconciliação, de partilha e de amor.»
«Ó Maria, Mãe de Jesus, tu que acolheste, ensina-nos a acolher; tu que adoraste, ensina-nos a adorar; tu que seguiste, ensina-nos a seguir. Ámen.»
Após a missa, Francisco rezou a oração mariana "Regina Coeli", antes de se dirigir para o convento franciscano em Belém, onde almoça com famílias da Palestina.
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