As desventuras do PS
A substituição de Seguro por António Costa não vai operar o milagre de tornar o PS num partido inteligente e firme com uma visão realista das coisas.
O primeiro erro de Seguro foi não ter denunciado e recusado a herança de Sócrates. Evadindo as responsabilidades do PS na catástrofe e não explicando aos portugueses a posição em que por sua culpa estavam, o partido ficou naturalmente reduzido a desaprovar a política do Governo, como se ela fosse um puro erro ou uma simples manifestação de perversidade ideológica (o célebre "neoliberalismo").
Argumentos que não lhe permitiam ter uma atitude crítica equilibrada. Em S. Bento, anunciava sempre crimes sem desculpa e ameaçava sempre com a iminente indignação do povo. Pior ainda: ao lado dele, ao mesmo tempo fora e dentro, o dr. Mário Soares organizou uma campanha de radicalismo e ódio, que impedia qualquer tentativa do PS para encontrar entendimentos parciais com o Governo ou moderar as loucuras que ele desde o princípio cometeu.
Por outras palavras, Seguro acabou por ser empurrado para um beco sem saída, que não o deixava fazer nada. Excepto, claro, dizer "não" ao Governo, com uma persistência e uma obstinação que muitas vezes excederam o razoável. Mas, como não podia dizer "não" à sra. Merkel, lá se resignou a seguir Passos Coelho, disfarçando a sua essencial duplicidade com uma retórica sem sentido e as promessas falsas do costume. O "tratado orçamental" pôs fim a essa farsa. Com troika ou sem troika, o "tratado orçamental", que o PS obedientemente assinou, estabelece regras, que, sem dúvida, irão manter por muito tempo a pior austeridade, com que este Governo nos carregou e espremeu. No fim, amarrado e mudo, Seguro passeou o seu sorriso de seminarista por Portugal inteiro, garantindo vitórias em que pouca gente acreditava ou acreditava por piedade.
Claro que a substituição de Seguro por António Costa não vai operar o milagre de tornar o PS num partido inteligente e firme com uma visão realista das coisas. A gente é, em grosso, a mesma, educada da mesma maneira, com os mesmos vícios da política de café. Basta ouvir as polémicas das duas facções, invariavelmente dominadas pelo objectivo pueril de distribuir as culpas da "cisão" ou de exibir uma camaradagem pública entre indivíduos que se odeiam. A súbita aparição de Costa não irá varrer com facilidade este antro de estupidez, de ambição e de intriga. Mas Costa, pelo menos, está até certo ponto livre de compromissos com Sócrates, com Seguro e com as raras "notabilidades" do partido e percebe muito bem o mundo à volta dele.
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