Os pais que fazem um "business plan" para os filhos


Henrique Raposo
Expresso, 29 de abril de 2014
No estado de Nova Iorque, uma creche cancelou uma peça de teatro dos alunos invocando o seguinte argumento: nós estamos aqui para preparar as crianças para a sua carreira e não para brincadeirinhas teatrais. Numa carta assinada pelo director e quatro educadoras, a Harley Avenue Primary School (Elwood, NY) informou que o espectáculo marcado para 14 e 15 de Maio foi cancelado porque os alunos têm de continuar a trabalhar para que fiquem prontos para a "universidade e carreira". Repare-se que não estamos a falar de jovens de 16 anos, mas de crianças. A inocência está pela hora da morte.

Esta brutalidade executiva é chocante, mas obedece a uma mentalidade vigente em muitos papás de lá e de cá. Já repararam que as crianças já não podem ser crianças? Já repararam que, além da escola, elas têm o dia preenchido com actividades destinadas à construção do seu futuro profissional? É como se estivessem a cumprir um business plan cuidadosamente preparado por papás que parecem partir do pressuposto que as criancinhas são tabulas rasas, sem centelha própria, tabulas lisinhas à espera dos inputs centrados nas skills. Além das aulas normais, o pequeno-que-tem-de-ser-médico-custe-o-que-custar tem de passar por aulas suplementares de matemática, tem de cursar três institutos de três línguas diferentes, mandarim incluído, porque o mandarim vai ter muita saída, e ainda tem de vergar a mola em aulas de música e/ou desporto. Porquê a música? Porque gosta? Não, porque a música disciplina o cérebro, logo é útil no seu caminho até à medicina. Porquê a natação? Porque gosta de estar na água? Não, porque é uma actividade que disciplina, logo é bom para a sua futura carreira de Michael Phelps do estetoscópio. 
Sim, muitos pais não estão no business de criar filhos, o seu business é construir pequenos robôs, seres formatados desde a infância para um destino profissional. Aquela creche americana é só um eco desta nova estirpe de pais. O que fazer com crianças de quatro anos? Talvez um bootcamp de development de skills de networking necessária à entrepreneurship. Aliás, é um escândalo que uma criança de quatro anos não saiba já debater em inglês, não é verdade? Um escândalo só comparável ao facto de uma criança de seis anos querer brincar em vez de estar a preparar-se para a "faculdade e carreira". A idade da inocência está a acabar antes de começar. 

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