A solução é ter muito filhos

Henrique Raposo
Expresso Segunda feira, 14 de abril de 2014

Sim, ter filhos nunca foi tão difícil. Além do problema já referido , convém relembrar que os fedelhos de hoje são adolescentes aos doze. A infância passou a ter o prazo de validade de um iogurte; a Blitzkrieg que transforma a relação pai-filho na linha Oder-Neisse chega mais cedo. Depois, nós vemos perigos em todo o lado. Um homem sozinho no parque é um pedófilo em potência e as crianças não podem andar sozinhas na rua, nem recados podem fazer. Porquê? Há carros a mais, a rua já não é um espaço de brincadeira, o progresso material roubou-nos essa infância despreocupada, o "sim, vai pra rua brincar" desapareceu da linguagem. Além disso, estamos sempre a ver raptores em cada esquina. Já não sabemos quando é que foi, se foi em Portugal ou nos EUA, mas sabemos que vimos na TV um caso de rapto e aquela imagem vaga ficou a pairar. Nunca desligamos, nunca relaxamos.
Existe ainda a constante atmosfera medicalizada, todas as mães e pais são sub-médicos que entram em pânico ao mínimo indício de febre. Como não estamos habituados à dor e muito menos à dor de crianças , saímos disparados para as urgências sem necessidade. Nunca desligamos, nunca relaxamos. E este stress permanente é reforçado pelo problema principal: estamos sozinhos. Eu ainda fui educado por uma cooperativa familiar e comunitária que dividia o fardo com a minha mãe.  Mas hoje em dia as famílias são demasiado pequenas e, sobretudo, estão espalhadas. Uns estão aqui, outros em Carnaxide, aqueles em Queluz, outros ainda estão na terra, etc., etc. Às vezes, nem os avós estão por perto. É por isso que eu percebo a malta com dinheiro, sim, percebo e invejo o exército de babás. Permitem desligar, permitem relaxar. 
Um pai e uma mãe não chegam, é preciso a presença de avós, tios, primos mais velhos, vizinhos, ou a alternativa: uma ou duas profissionais. Ora, como estou longe da família e como sou um pé rapado sem acesso ao maná composto por babás e nannys, resta-me uma solução para encontrar a libertação: ter muitos filhos. Parece paradoxal mas não é. Todas estas ânsias resultam de uma coisa muito simples: ainda só tenho uma filha. Quando tiver mais, serei um pai mais relaxado, com menos dramas na cabeça. Já não verei perigos no parque e na rua, a febre já não será um bicho de sete cabeças, a adolescência precoce dos mais velhos não será um problema porque ainda estarei concentrado na infância dos pequenos e, acima de tudo, não estarei tão cansado porque os mais velhos ajudarão a criar os mais novos. Sim, a solução é ter filhos como um coelhinho endemoniado por pilhas duracel. Irei relaxar, irei desligar. 

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