A Cultura da Crise
José Luís Ramos Pinheiro RR on-line 16-04-2014 18:36
Na economia, como na vida pessoal, a cegueira com o presente paga-se mais tarde, inevitavelmente com juros tão desnecessários quanto insuportáveis.
Está a chegar ao fim o período da "troika" em Portugal. Indesejável, porque externa, a intervenção tornou-se indispensável. A irresponsabilidade dos gastos do Estado, no quadro de um sistema financeiro internacional deslumbrado com o lucro, não permitiu melhor saída.
Três anos passados, a economia dá sinais de recuperação e as finanças públicas aparentam melhor saúde. Trata-se de um sucesso assinalável. Sem ele o presente seria mais negro e o futuro próximo mais penoso.
Mas ainda que a intervenção da "troika" tenha sido a menos má das alternativas, é impossível fechar os olhos à realidade. Há muitas famílias carenciadas, desemprego de longa duração, jovens precocemente desencantados e muitos pensionistas financeiramente derrotados.
A solidariedade cresceu, mas a mancha de pobreza alastrou, num país envelhecido e à procura de desígnio que não se reduza à mera sobrevivência.
É preciso rever critérios, processos e olhares. Com mais silêncio do que em outras épocas do ano, a Quaresma e a semana Santa são sempre oportunidades para deitar contas à vida.
Para os crentes torna-se indispensável revisitar a sua consciência, procurando e descobrindo Jesus, nos rostos e nas vidas concretas dos que mais sofrem. Mas, para todos, fica pelo menos o desafio de parar, reflectir, provavelmente mudar.
Porque o quadro não é brilhante, a reflexão é obrigatória. Em que falhámos? O que podemos mudar? O que devemos fazer?
Podem discutir-se medidas e contra-medidas, alternativas, engenharias, propostas sofisticadas, exemplos bebidos nas melhores estirpes universitárias. Tudo isso se pode discutir. Mas, realmente decisivo é o quadro cultural em que tais decisões venham a ser tomadas.
A cultura actual empurra tudo e todos para o sucesso imediato ou para a derrota precoce. Uma cultura assim bipolar abre portas à crise e representa, sobretudo, uma crise de cultura.
No sistema financeiro, por exemplo, o grande critério de sucesso passa pelo lucro generoso, rápido, imediato. Os ganhos de curto prazo podem varrer pessoas, empresas ou até países. Pouco importa: a sofreguidão financeira, baseada no sucesso imediato, descarta uma visão de futuro - a médio ou longo prazo.
Mas o imediatismo e a sofreguidão, tão duramente criticados no plano financeiro, também germinaram na vida pessoal. Em Portugal, por exemplo, a crise da natalidade nasceu nos tempos de maior abundância, não começou com a crise económica. Nos anos em que a economia sorria, a satisfação rápida de necessidades imediatas colocou o nascimento dos filhos lá bem para o fim da lista das prioridades.
Agora começam a tomar forma os efeitos sociais e económicos do inverno demográfico em que nos deixámos aprisionar.
Na economia, como na vida pessoal, a cegueira com o presente paga-se mais tarde, inevitavelmente com juros tão desnecessários quanto insuportáveis.
Por isso, se quisermos sair da crise sem reflectir e sem mudar as cabeças, depressa cairemos noutra igual. Para não dizer, noutra pior. Porque as recaídas nunca são melhores.
Três anos passados, a economia dá sinais de recuperação e as finanças públicas aparentam melhor saúde. Trata-se de um sucesso assinalável. Sem ele o presente seria mais negro e o futuro próximo mais penoso.
Mas ainda que a intervenção da "troika" tenha sido a menos má das alternativas, é impossível fechar os olhos à realidade. Há muitas famílias carenciadas, desemprego de longa duração, jovens precocemente desencantados e muitos pensionistas financeiramente derrotados.
A solidariedade cresceu, mas a mancha de pobreza alastrou, num país envelhecido e à procura de desígnio que não se reduza à mera sobrevivência.
É preciso rever critérios, processos e olhares. Com mais silêncio do que em outras épocas do ano, a Quaresma e a semana Santa são sempre oportunidades para deitar contas à vida.
Para os crentes torna-se indispensável revisitar a sua consciência, procurando e descobrindo Jesus, nos rostos e nas vidas concretas dos que mais sofrem. Mas, para todos, fica pelo menos o desafio de parar, reflectir, provavelmente mudar.
Porque o quadro não é brilhante, a reflexão é obrigatória. Em que falhámos? O que podemos mudar? O que devemos fazer?
Podem discutir-se medidas e contra-medidas, alternativas, engenharias, propostas sofisticadas, exemplos bebidos nas melhores estirpes universitárias. Tudo isso se pode discutir. Mas, realmente decisivo é o quadro cultural em que tais decisões venham a ser tomadas.
A cultura actual empurra tudo e todos para o sucesso imediato ou para a derrota precoce. Uma cultura assim bipolar abre portas à crise e representa, sobretudo, uma crise de cultura.
No sistema financeiro, por exemplo, o grande critério de sucesso passa pelo lucro generoso, rápido, imediato. Os ganhos de curto prazo podem varrer pessoas, empresas ou até países. Pouco importa: a sofreguidão financeira, baseada no sucesso imediato, descarta uma visão de futuro - a médio ou longo prazo.
Mas o imediatismo e a sofreguidão, tão duramente criticados no plano financeiro, também germinaram na vida pessoal. Em Portugal, por exemplo, a crise da natalidade nasceu nos tempos de maior abundância, não começou com a crise económica. Nos anos em que a economia sorria, a satisfação rápida de necessidades imediatas colocou o nascimento dos filhos lá bem para o fim da lista das prioridades.
Agora começam a tomar forma os efeitos sociais e económicos do inverno demográfico em que nos deixámos aprisionar.
Na economia, como na vida pessoal, a cegueira com o presente paga-se mais tarde, inevitavelmente com juros tão desnecessários quanto insuportáveis.
Por isso, se quisermos sair da crise sem reflectir e sem mudar as cabeças, depressa cairemos noutra igual. Para não dizer, noutra pior. Porque as recaídas nunca são melhores.
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