Dizer asneiras já não choca ninguém
Henrique Raposo
Expreeso online Quinta feira, 17 de abril de 2014
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Jon Stewart diz sempre um fuck ou fucking entre piadas. Aquele asneiredo é uma espécie de escala obrigatória entre segmentos. O problema é que as escalas escatológicas já não têm piada. Há uns anos, talvez tivessem algum potencial cómico, mas hoje em dia são tão engraçadas como um campeonato de cochet e, verdade seja dita, acabam por esconder a falta de graça de alguns episódios do Daily Show. Ora, este raciocínio podia ser aplicado a outros programas de humor ou até a outros ramos de actividade, como por exemplo a publicidade. Nos anos 80 e 90, toda a gente ficava chocada com as campanhas da Benetton, mas hoje em dia a marca italiana parece tão inofensiva como uma beata de Carrazeda de Ansiães.
Há dois ou três anos, a Benetton fez uma campanha que mostrava políticos a beijar outros políticos na boca. Hugo Chávez dava um beijo molhado em Barack, Abbas dava um chocho em Netanyahu e Bento XVI trocava fluidos com um líder muçulmano. O sucesso da campanha foi quase nulo porque o chocante já não choca ninguém. A iconoclastia transformou-se na norma, o iconoclasta é um chato do caraças. Toda a gente tem tatuagens, toda a gente ajoelha no altar do ateísmo, toda a gente diz asneiras, toda a gente quer a desconstrução da sinceridade, toda a gente quer chocar e, por isso, já ninguém se choca. Ou melhor, aquilo que choca é a ausência de iconoclastia: aqueles que acreditam em Deus (é o meu caso) ou aqueles que passam uma hora inteira sem dizer asneiras (não é o meu caso) é que são os verdadeiros rebeldes. A boa-educação é que é chocante.
Durante décadas, uma certa cultura pós-moderna construiu a sua carreira através da desconstrução sistemática da sinceridade e dos valores clássicos. Resultado? Não restou nada, já não temos começos nem fins. Já não há nada para desconstruir. Neste sentido, o conservador é o novo iconoclasta. No ano da graça de 2014, ser bem educado, acreditar em Deus, casar e ter filhos é que é a verdadeira rebeldia. Sim, meus caros, o conservador é the meanest motherfucker in the valley.
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