D. José Saraiva Martins. "É Deus que faz os santos, não somos nós"


ionline 14.04.26
Cardeal português há 60 anos em Roma vai estar este domingo na primeira fila de cardeais na celebração da canonização de João Paulo II e João XXIII
"Santo subito!" (Santo já) foi o apelo que marcou o adeus a João Paulo II em Abril de 2005. Bento XVI cumpriu o desejo e na segunda semana de pontificado pôs em marcha o processo. D. José Saraiva Martins, cardeal português que fez toda a vida eclesiástica no Vaticano, era então prefeito para a Congregação para as Causas dos Santos, cargo que ocupou de 1998 e 2008. Embora reconheça o seu contributo - em sete dias tratou de todas as diligências - não é por isso que vai estar na fila da frente na cerimónia deste fim-de-semana, onde é também canonizado João XXIII, a quem o Papa Francisco dispensou o reconhecimento de um milagre já depois da beatificação para ser considerado santo. Aos 82 anos, é prefeito emérito e um dos seis cardeais logo abaixo do Papa na hierarquia da Igreja Católica, cardeal-bispo, título que antigamente designava os responsáveis das dioceses à volta de Roma.
A canonização de João Paulo II é a mais rápida da história da Igreja?
Da história da Igreja recente sem dúvida, mas seguiu o processo normal. A única diferença foi o Papa Bento XVI ter dispensado passarem cinco anos depois da morte para iniciar o processo de beatificação. Fê-lo no dia 2 de Maio de 2005 e eu no dia 9 emanei o decreto para que começasse imediatamente o processo.
O que motivou essa dispensa?
O Papa pode sempre tomar essa decisão se achar que é para o bem da Igreja. Bento XVI pensou que seria bom pela universalidade da figura de João Paulo II, talvez o maior Papa dos últimos tempos. Foi uma forma de sublinhar a grandeza de um Papa que esteve sempre perto das suas ovelhas e de um missionário que correu o mundo. As suas viagens por todos os continentes não foram turísticas mas apostólicas e evangelizadoras. Para mim, João Paulo II foi o S. Paulo dos tempos modernos. Foi como Paulo, um apóstolo gentil.
O Papa Francisco é parecido?
Sem dúvida que são parecidos em algumas coisas. O Papa Francisco não faz senão sublinhar que um pastor deve estar perto das suas ovelhas para as defender. Mas todos os papas são diferentes e cada um enriquece o primado de Pedro com o seu carisma pessoal. A fé é única mas o modo de anunciar muda.
Francisco tem telefonado a fiéis. João Paulo II alguma vez o fez?
É verdade. Penso que João Paulo II não.
Esta semana o relato foi de uma mulher que casou com um homem divorciado a quem o Papa terá dito que podia comungar. É verdade?
Não sei. Às vezes escrevem-se coisas que não são verdade.
Sendo estes dois papas os rostos do Concílio Vaticano II, faz falta um novo?
O mais importante hoje é fazer actuar plenamente o Concílio Vaticano II.
O que falta implementar?
Há muitas questões que precisam de esclarecimento, veja todos os temas de que se fala na comunicação social. O concílio deu os princípios mas aparentemente não penetrou bem na sociedade contemporânea.
Fala de questões como o divórcio?
Vai haver o sínodo da família em Outubro e um segundo sínodo no ano que vem. Vai ficar tudo esclarecido pela Igreja mas no fundo são os princípios do concílio.
Como funciona a validação dos milagres?
Para ser beatificado é preciso ser reconhecido um milagre e na canonização um segundo milagre após a beatificação. São recebidos relatos e documentação de curas por intercessão que são avaliados por especialistas. Quando os médicos e teólogos chegam à conclusão de que é uma cura inexplicável à luz da ciência e da medicina actual, completa, instantânea e duradoura, pode ser reconhecido.
O Papa Francisco dispensou um segundo milagre a João XXIII para o canonizar agora. Porquê?
Achou bem, e eu também acho, canonizar João XXIII junto com João Paulo II. Foi ele que inaugurou o Concílio Vaticano II e deixou uma marca na Igreja.
Se podem ser dispensados ou explicados mais tarde pela medicina, faz sentido manter a exigência de milagres?
Penso que o estatuto vai permanecer. Dispensar um milagre é uma excepção que o Papa pode sempre usar e tem-se em conta o avanço da medicina. O milagre é um sublinhado de Deus mas o mais importante são as virtudes. Ter praticado durante a vida e em grau heróico as virtudes cristãs.
Há críticas à forma como João Paulo II lidou com os abusos sexuais dentro da Igreja. Isso foi analisado?
É avaliada toda a vida, em todos os campos. Seguiu o pensamento da Igreja. Não ignorou. A Santa Sé interveio em várias ocasiões, em várias dioceses. Agiu sempre com discrição mas interveio muitas vezes.
Tinha um carinho especial por Portugal. Lembra-se de ele falar sobre o país?
Via Portugal como uma nação cristã mas sobretudo tinha devoção a Nossa Senhora de Fátima, e expressou gratidão por lhe ter salvo a vida.
Como lembra o atentado de 1981?
Foram dias assustadores. Foi inexplicável do ponto de vista religioso e humano.
O que significou mais tarde o encontro do Papa com Ali Agca?
Na sua encíclica Redemptor Hominis diz que o homem é o caminho da Igreja. João Paulo II, durante o seu pontificado, não fez mais que defender o homem e a sua dignidade e defender com muita coragem os defeitos naturais do homem. Naturalmente, é um Papa humano porque era santo. Entre humanidade e santidade há uma relação muito profunda, não se sobrepõem, são inseparáveis.
Quantos processos de canonização iniciou?
Foram 1320 entre santos e beatos. Foi a prefeitura mais fecunda da história da Igreja!
Gosta do título "fábrica de santos" que costuma ser dado à Congregação?
[Risos.] Não fabricamos os santos, quem os fabrica é Deus. A gente constata só se são santos ou não.
Tem saudades de João Paulo II?
Devo-lhe muito. Foi ele que me pediu que ficasse em Roma. Cheguei seminarista e depois do doutoramento na Pontifícia Universidade Urbaniana chamaram-me logo para professor. O cardeal Cerejeira escreveu-me várias cartas para que voltasse para dar aulas. Fiquei contente mas não me deixaram ir. Ainda pensei ir semestre sim, semestre não, mas o reitor de então não autorizou. Disse que ia um semestre e já não voltava. Depois fui eleito reitor três vezes, mais tarde secretário para a Congregação para a Educação Católica e por fim para a Congregação para as Causas dos Santos.
E vão 60 anos. Tem sido uma vida boa?
É uma vida de serviço à Igreja, de muito trabalho. Uma vida de dedicação total.
Como vê a situação actual de Portugal?
Estou na cúria mas sou português e volto todas as férias. Acho que é preciso evitar um erro que se comete frequentemente. A crise não é portuguesa, é europeia.
Não vivemos acima das nossas posses?
Isso acontece em Portugal e em todos os países. Mas esta crise, oxalá acabe o quanto antes, pode lembrar aos portugueses que é bom viver segundo as posses.
Mas quando os salários são baixos e o custo de vida alto...
Sim, mas é uma chamada a um certo realismo. Mas não digo só aos portugueses, a todos. Agora a crise vai acabar e há outras iguais ou piores. Os políticos e em cada país a política deve sentir-se responsável e tentar resolvê-la sem olhar a partidos mas ao bem dos países.

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