O mito das mães experientes

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.04.12
Ter muitos filhos só complica ainda mais a questão da experiência maternal: toda a gente acha que somos o Einstein dos filhos. Não somos. Fingimos que somos, mas não somos.
Desconfio seriamente que não existe a categoria de mães experientes. Uma mãe é sempre inexperiente. A minha experiência diz isso. Por mais filhos que tenham, as dúvidas das mães mantêm-se, ou melhor, multiplicam-se. A quantidade de filhos só vem demonstrar que somos muitas vezes inexperientes, tantas vezes quantas o número de filhos que temos. A dolorosa fatalidade da maternidade é que as dúvidas não são inversamente proporcionais ao número de filhos. As únicas coisas inversamente proporcionais ao número de filhos são o dinheiro e a paciência. Tudo o resto mantém-se ou aumenta. Não sei se com os pais também é assim - não existem grupos de pais ou blogues de pais onde se troquem experiências e dúvidas sobre a paternidade suficientemente representativos para se poder responder com fundamento a esta pergunta. Mas desconfio que o problema da inexperiência é sobretudo das mães. Aliás, espero que seja um problema de todas as mães e não um problema apenas meu.
Eu sou e serei sempre uma mãe inexperiente. E cada vez mais. Por exemplo, eu morro de medo de recém-nascidos por mais recém-nascidos que me entrem em casa. De qualquer recém-nascido. Sou uma maçarica em recém-nascidos. Quando um recém-nascido entra em minha casa para ficar lá a viver, quando o hospital me deixa levar para casa um bebé que nem quatro pacotes de leite pesa, que não pode cair, que não pode ser abanado, que tem de ser alimentado de três em três horas, que não se pode constipar e que até a cor e a frequência do cocó que faz tem de ser registada, eu entro em pânico. Por mais recém-nascidos que entrem em minha casa, o pânico mantém-se. Nunca reduziu. Dizem os livros que este pânico é a famosa depressão pós-parto. Não sei. Comigo é mesmo pânico. Quando o recém-nascido chora sem parar depois de ter dormido, comido, arrotado e feito cocó, eu não sei o que fazer e o instinto maternal não se revela. Eu bem que o procuro, mas nada. Até que o recém-nascido pára de chorar e pronto, eu durmo. Mesmo quando o recém-nascido passa a bebé, a angústia, as dúvidas, mantêm-se. "Mas já tiveste tantos filhos, sabes perfeitamente como é." Com os médicos é a mesma coisa, não me ligam peva porque confiam na minha experiência. "Já sabe como é... Não é o primeiro..." Pois, não sei como é. Eles são todos diferentes. A grande chatice é essa, é que os nossos filhos são mesmo todos completamente diferentes. Parece que é a gozar.
Os filhos, infelizmente, não são um carro de uma linha de montagem de uma fábrica de carros, por isso, a experiência não interessa nada. Uma pessoa que passe os dias a apertar parafusos acaba por ficar experiente a apertar parafusos. Mas uma pessoa que tenha muitos filhos está sempre a fazer coisas diferentes com os vários filhos que estão sempre a mudar de idade e acaba por ficar especialista em coisa nenhuma. Por isso não ganha experiência, acumula apenas várias experiências assustadoras e totalmente diferentes. Acumula camadas de experiências. Tipo tralha no sótão.
Ter muitos filhos só complica ainda mais a questão da experiência maternal. Primeiro, porque toda a gente acha que somos o Einstein dos filhos. Não somos. Fingimos que somos, mas não somos. Depois, porque acabamos sempre a comparar os filhos, experiências diferentes, "com o outro fazia assim...", mas acabamos angustiadas porque com este o "truque da chucha não resulta...". A terceira complicação é que as crianças, além de serem irritantemente diferentes, estão sempre a mudar. Quando nós começamos a ficar experientes numa determinada fase, ou numa determinada criança, ela passa logo para a fase seguinte e nós passamos a inexperientes da fase seguinte. Elas estão sempre à nossa frente. Tipo matéria nova. Parece mesmo que gozam.
As mães só são experientes nas dúvidas. E quanto mais filhos, mais dúvidas, pois os filhos novos trazem sempre dúvidas novas. O máximo que as mães podem acumular, além das óbvias camadas de gordura, são camadas de ignorância. No meu caso, quanto mais filhos tenho, mais sei que nada sei. Há, no entanto, uma excepção: hoje em dia já sei mudar fraldas mais ou menos a dormir e mesmo num quarto quase às escuras. Sim, posso dizer, ao fim de todos estes anos, que sou experiente em cheiro a cocó.

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