Um vazio indisfarçável

Alexandre Homem Cristo
ionline 13 Jan 2014
À esquerda, enquanto não há dinheiro também não há programa político, convicções, ou sequer propostas

António José Seguro lançou a Convenção "Novo Rumo para Portugal", da qual espera que resultem as bases de um programa estratégico para um governo socialista. Depois do fracasso do LIPP, o laboratório de ideias que não produziu nenhuma, as expectativas eram, inevitavelmente, baixas. Mas, lendo o manifesto já publicado no site desta nova iniciativa, há que reconhecer que, apesar disso, havia espaço para sermos surpreendidos – pela negativa.
Vejamos o que nos dizem Seguro e restantes signatários para justificar esse novo rumo. Sobre o emprego: "É fundamental que a política económica ajude a criar um ambiente favorável ao investimento e à criação de emprego". Sobre a crise: "Queremos levar Portugal a sair da actual crise através de um programa de desenvolvimento sustentável, criando uma economia mais verde, de baixas emissões de carbono". Sobre o contrato social: "Portugal precisa de um Estado forte e inteligente (…)". Sobre a Europa: "Defendemos que é pelo aprofundamento no plano da igualdade entre cidadãos e entre Estados que se deve desenhar a solução para a crise". E, por fim, sobre o Euro: "Para nós, a opção não está entre ficar ou sair do euro. Para nós a opção está na urgência de mudar a zona euro e de a completar com a governação política, económica e social".
Ou seja, para além das formulações redondas e sem significado, o PS e António José Seguro acreditam que a construção de "um novo rumo que devolva a esperança a Portugal" se faz através da economia verde, com um Estado inteligente (o que quer que isso signifique), com maior solidariedade europeia e com um aprofundamento da zona euro. Não é só pouco, é mesmo quase nada. E, por mais que se tente, não é base para sustentar uma alternativa política.
Após dois anos de austeridade, este é já um problema de representatividade política para a esquerda democrática, que tem, portanto, razões para estar preocupada. Mas, ao contrário do que muitos pensarão, a direita também tem, caso tenha de se entender com o PS, na eventualidade (provável) de não conseguir uma nova maioria absoluta para governar, em 2015. De facto, este vazio político que actualmente caracteriza o centro-esquerda em Portugal e na Europa – lembram-se das esperanças em Hollande, que viria salvar os europeus desse desnorte? – só favorece os radicalismos. Na ausência de uma alternativa moderada às políticas de austeridade, são estes que surgem como única opção para a mudança. O PCP já está há muito destacado como terceira força política nas sondagens. 
Ora, a pergunta impõe-se: à beira de se concluir o programa de assistência económica e financeira, momento em que os socialistas poderão ser chamados a compromissos, como admitir que o PS não saiba ainda o que pretende, e que se entretenha a lançar iniciativas condenadas ao fracasso? A resposta é que não se pode admitir.
Quem não sabe o que quer, não pode fazer parte da solução – seja ela qual for. É uma evidência, que se sobrepõe aos apelos do Presidente da República. Assim, quem exige mais diálogo entre governo e PS que pense nisto: como negociar com quem não sabe o que quer? É uma impossibilidade. É que, à esquerda, enquanto não há dinheiro também não há programa político, convicções, ou sequer propostas. E também já não há manifesto, convenção ou congresso que o consiga disfarçar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António