As lágrimas de Ronaldo e Beckham

Henrique Raposo
Expresso, Quarta feira, 15 de janeiro de 2014

No último jogo David Beckham chorou . O ícone pop casado com outro ícone pop, o sujeito que usa marketing como a grã-fina usa maquilhagem, o autómato controlado por conselheiros de imagem chorou como um menino. Um dos seres mais postiços do nosso tempo foi incapaz de conter aquela brecha emocional  na muralha. Neste nosso mundinho cercado por uma Jericó marketeira, estas erupções sinceras não deixam ninguém indiferente. Porquê? No seu último jogo, o grande David Beckham voltou ao início, voltou a ser aquele puto pobre que começou a jogar à bola em Manchester, um puto que conquistou o mundo com o seu trabalho e talento. O circulo fecha-se e um gajo chora, ele, eu e você.   
Esta é uma das razões que eleva o jogador de futebol à condição de último herói. Na segunda-feira, Ronaldo comoveu meio mundo porque revelou que continua a ser aquele menino da Madeira, o menino que chorou quando deixou a mãe e a ilha aos catorze anos para ingressar na academia do Sporting. Já conquistou o mundo, é rei do futebol, come princesas ao pequeno-almoço e odaliscas à tarde, mas continua aquele rapaz. Chegou ao topo através do seu trabalho e talento, mas não esquece de onde vem. É uma marca mundial como Beckham, mas não esquece que é filho daquela senhora que, na audiência, era uma velinha a derreter figuras de cera.
E a heroicidade dos jogadores não se fica por aqui. Os críticos românticos dos séculos XVIII e XIX diziam que a modernidade iria desvitalizar as sociedades e o homem; num mundo controlado pela lei e pelo contrato, numa sociedade de eficácia e de ciência, em nações onde é impossível fugir ao controlo do poder, as velhas noções de honra, camaradagem, nobrezaherói ficariam em segundo plano. Para o bem e para o mal, os românticos vitalistas acertaram na mouche. Apesar da aparência de liberdade, as nossas sociedades são as mais programadas e controladas da história. O instinto e o imprevisível estão no baú. É por isso que o futebol é tão importante na nossa vidinha. A bola é o último refúgio do instinto, do imprevisível, da nobreza de carácter num campo de batalha, o último teatro para os heróis. Não é à toa que o Mundial de Futebol é o grande acontecimento à escala global. 

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