As coisas estão melhores. Mas resolvemos o problema?

Henrique Raposo
Expresso,  Sexta feira, 24 de janeiro de 2014

O cenário mudou em Portugal. Já sabemos que não vamos ao fundo, algo que não era certo desde 2009. Agora já sabemos que isto vai aguentar, vamos ficar no Euro, não vamos ter uma saída argentina. E Portugal é um reflexo local de um cenário geral mais optimista no Ocidente. O tom do debate nos EUA também já mudou. Contudo, a minha pergunta continua no sítio: será que resolvemos o problema?  Será que combatemos o vício que nos conduziu até esta gigantesca casa de chuto chamada A Grande Crise de 2008-2013? Eu acho que não. A governação dos estados ocidentais e a mentalidade das sociedades continuam centradas no vício do crédito/consumo e numa concepção de dinheiro quase virtual . Em Portugal comemora-se o regresso aos mercados da dívida quando o nosso problema é precisamente o excesso de dívida. Nos  EUA, toda a gente treme quando alguém do FED diz "não, acho que já não vamos injectar quarenta gigabytes de dólares no sistema". Eu não sei fazer uma conta de dividir, mas tudo isto me parece errado, uma fuga para a frente.
Neste sentido, continuo a andar pelas águas do declínio ocidental, pela águas de Dambisa Moyo , por exemplo. Com muita precisão, esta economista afirma que o vício do dinheiro fácil, do crédito e do consumo não criaram apenas uma crise aqui no Ocidente. Criaram, acima de tudo, um abismo entre Ocidente e China. Se as famílias e os estados ocidentais entraram na rota do consumo através da dívida, as famílias chinesas e o Estado chinês desenharam a rota oposta através da poupança e investimento. Nós compramos, eles fazem. Numa segunda fase do argumento, Moyo liga este efeito material (sociedade que consome sem produzir) com uma causa imaterial: o ensino. Os governos ocidentais, garante Moyo, têm sido demasiado complacentes no ensino, e esta complacência lúdica está a ser esmagada pela exigência realista dos asiáticos. Enquanto os petizes indianos decoram a tabuada até ao 19x9 , os nossos pequenos jogam Playstation. Quem é que vai fazer a Playstation do futuro?
Quais são as soluções apresentadas por Moyo? Confrontar as populações com verdades duras: os EUA deviam assumir uma bancarrota parcial; os sistemas de pensões são esquemas de Ponzi que devem ser alterados até porque dependem do endividamento; não podemos continuar focados no consumo, temos de virar agulhas para o investimento e produção; os sistema de ensino têm de sair da letargia anti-Matemática. Mas, acima de tudo, parece-me a solução principal de Moyo passa por uma viragem psicológica e traumática: os ocidentais só vão mudar a sério quando perceberem que já não mandam, quando perceberem que correm o risco de serem ultrapassados de facto pelos gigantes asiáticos. Eu concordo, aliás, concordei antes do tempo. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António