O único erro
JOÃO CÉSAR DAS NEVES | DN | 2014-01-20
O Fundo Monetário Internacional enganou-se nos cálculos. Fez estudos profundos e complexos, analisou os dados, estimou modelos, o que lhe permitiu definir um nível de austeridade, depois imposto aos portugueses. Mais tarde, revendo esses exames, descobriu que se tinha enganado e exagerado na dose. Isto, além de grande vergonha para entidade tão distinta, criou o enorme sofrimento que todos conhecemos. Pagámos caro esse erro. É inaceitável!
Mas a vergonha é ainda maior porque, em todo o terrível processo da crise, o FMI foi a única entidade que se enganou. Apenas ele admitiu erros e reviu conclusões. Mais ninguém, em toda a incontável multidão que tem falado do assunto, assumiu falhas.
Para começar, não se ouviram os outros dois parceiros da troika conceder com a mesma clareza ajustamentos nas análises. Quer a Comissão Europeia quer o Banco Central Europeu, muito mais políticos e menos técnicos do que o FMI, têm sido bastante ambíguos nisto. O mesmo se diga do Governo português que, tirando a críptica carta de demissão do ministro Vítor Gaspar, em nenhuma ocasião lamentou enganos. Mas isso acontece também com os outros envolvidos. A única entidade que se enganou nos últimos três anos acerca da nossa economia foi o FMI.
Todos aqueles, bastante eminentes, que previram uma recessão de mais de cinco anos, decretaram a espiral depressiva, anteciparam sangrentas revoltas sociais, nenhum desses se equivocou. Os que viram o desemprego acima dos 20%, garantiram o fim da agricultura e indústria, estrangulamento da classe média e genocídio do Estado social, nenhum deles se sentiu obrigado a copiar a humildade do FMI. Não se ouviu qualquer dos que assegurou à próxima geração uma vida de miséria, afiançou que Portugal seria um protectorado ou regrediria décadas, conceder o menor dos erros, continuando triunfantes nas suas conclusões taxativas. Foram todos íntegros e correctos. Menos o FMI, claro; e os que, como eu, o seguiram. Isto para não falar dos que ainda apregoam aos quatro ventos que a única saída possível é repudiar a dívida, rejeitar a troika, abandonar o euro. Nenhum desses é culpado da menor imprecisão ou desvio, mantendo incólumes os seus raciocínios. Só o FMI, com toda a sua sofisticação técnica, se enganou redondamente.
Curiosamente ele é, de todos estes, o único que faz estudos sérios e profundos. E logo esse se enganou. O erro mostra, aliás, que a economia não é uma ciência exacta. Existem muitos centros de investigação, nacionais e internacionais, que acompanham de forma rigorosa a situação portuguesa, e até teria sido interessante ver se acertaram mais do que o erro vergonhoso do Fundo. Mas a esses a comunicação social e o debate político não dão qualquer atenção. Só ligam ao FMI, logo aquele que se enganou. Devia antes ter usado os métodos dos comentadores que, mesmo sem estudos, sabem tudo sobre a situação e nunca se enganam. Esses, afinal, têm a tal ciência exacta.
Alguns, mais ingénuos, podem notar que as antevisões de jornais, televisões e partidos, foram, objectivamente, muito mais distantes da realidade que a discrepância admitida pelo FMI. Mas isso deve ser ilusão de óptica, pois nos últimos anos só ele se enganou, e todos os outros mantêm a reputação imaculada.
Existe ainda uma entidade cujos erros vale a pena considerar: o público. Será que o povo português fez mal ao ouvir e acreditar nas opiniões incendiárias dos comentadores e políticos sobre a crise? Os cidadãos, que se assustaram perante a anunciada catástrofe nacional, se irritaram com a prevista ruína económica, o fim da segurança social e do sistema de saúde, esses mesmos preparam-se agora para continuar a ouvir piamente e acreditar de novo nas previsões que os mesmos comentadores vão continuar a fazer acerca do futuro. E vale a pensa continuar a ouvi-los, porque nenhum deles se enganou no que quer que seja. A única entidade de quem os portugueses hoje suspeitam gravemente é o FMI. E com boas razões, pois esse errou redondamente, e assumiu-o em público.
O Fundo Monetário Internacional enganou-se nos cálculos. Fez estudos profundos e complexos, analisou os dados, estimou modelos, o que lhe permitiu definir um nível de austeridade, depois imposto aos portugueses. Mais tarde, revendo esses exames, descobriu que se tinha enganado e exagerado na dose. Isto, além de grande vergonha para entidade tão distinta, criou o enorme sofrimento que todos conhecemos. Pagámos caro esse erro. É inaceitável!
Mas a vergonha é ainda maior porque, em todo o terrível processo da crise, o FMI foi a única entidade que se enganou. Apenas ele admitiu erros e reviu conclusões. Mais ninguém, em toda a incontável multidão que tem falado do assunto, assumiu falhas.
Para começar, não se ouviram os outros dois parceiros da troika conceder com a mesma clareza ajustamentos nas análises. Quer a Comissão Europeia quer o Banco Central Europeu, muito mais políticos e menos técnicos do que o FMI, têm sido bastante ambíguos nisto. O mesmo se diga do Governo português que, tirando a críptica carta de demissão do ministro Vítor Gaspar, em nenhuma ocasião lamentou enganos. Mas isso acontece também com os outros envolvidos. A única entidade que se enganou nos últimos três anos acerca da nossa economia foi o FMI.
Todos aqueles, bastante eminentes, que previram uma recessão de mais de cinco anos, decretaram a espiral depressiva, anteciparam sangrentas revoltas sociais, nenhum desses se equivocou. Os que viram o desemprego acima dos 20%, garantiram o fim da agricultura e indústria, estrangulamento da classe média e genocídio do Estado social, nenhum deles se sentiu obrigado a copiar a humildade do FMI. Não se ouviu qualquer dos que assegurou à próxima geração uma vida de miséria, afiançou que Portugal seria um protectorado ou regrediria décadas, conceder o menor dos erros, continuando triunfantes nas suas conclusões taxativas. Foram todos íntegros e correctos. Menos o FMI, claro; e os que, como eu, o seguiram. Isto para não falar dos que ainda apregoam aos quatro ventos que a única saída possível é repudiar a dívida, rejeitar a troika, abandonar o euro. Nenhum desses é culpado da menor imprecisão ou desvio, mantendo incólumes os seus raciocínios. Só o FMI, com toda a sua sofisticação técnica, se enganou redondamente.
Curiosamente ele é, de todos estes, o único que faz estudos sérios e profundos. E logo esse se enganou. O erro mostra, aliás, que a economia não é uma ciência exacta. Existem muitos centros de investigação, nacionais e internacionais, que acompanham de forma rigorosa a situação portuguesa, e até teria sido interessante ver se acertaram mais do que o erro vergonhoso do Fundo. Mas a esses a comunicação social e o debate político não dão qualquer atenção. Só ligam ao FMI, logo aquele que se enganou. Devia antes ter usado os métodos dos comentadores que, mesmo sem estudos, sabem tudo sobre a situação e nunca se enganam. Esses, afinal, têm a tal ciência exacta.
Alguns, mais ingénuos, podem notar que as antevisões de jornais, televisões e partidos, foram, objectivamente, muito mais distantes da realidade que a discrepância admitida pelo FMI. Mas isso deve ser ilusão de óptica, pois nos últimos anos só ele se enganou, e todos os outros mantêm a reputação imaculada.
Existe ainda uma entidade cujos erros vale a pena considerar: o público. Será que o povo português fez mal ao ouvir e acreditar nas opiniões incendiárias dos comentadores e políticos sobre a crise? Os cidadãos, que se assustaram perante a anunciada catástrofe nacional, se irritaram com a prevista ruína económica, o fim da segurança social e do sistema de saúde, esses mesmos preparam-se agora para continuar a ouvir piamente e acreditar de novo nas previsões que os mesmos comentadores vão continuar a fazer acerca do futuro. E vale a pensa continuar a ouvi-los, porque nenhum deles se enganou no que quer que seja. A única entidade de quem os portugueses hoje suspeitam gravemente é o FMI. E com boas razões, pois esse errou redondamente, e assumiu-o em público.
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