As "praxes" e o direito

Saragoça da Matta
ionline, 2014-01-31

Farisaicamente, incriminou-se o bullying nas escolas, o mesmo que sempre se aceitou no ensino superior e agora se repudia sob o peso dos cadáveres do Meco

Perguntem a qualquer pessoa com um mínimo de bom senso o que lhe pareceria o facto de, perante um grupo de pessoas ou em local público, ser insultada, humilhada, ameaçada e fisicamente molestada ou agredida. A resposta, excluída alguma patologia que virá registada nos anais da psiquiatria, será inequívoca: parecer-lhe-á muito mal!
Com efeito, apesar de psiquicamente sermos muito diversos, há um instinto animal que a todos nos domina: o da autopreservação. Que, num ser com dimensão mental e emocional, tem matizes físicos e psíquicos. Por isso a ninguém agrada a exposição ao ridículo, nem o ser fisicamente mal tratado (também aqui excepcionados alguns fetiches sexuais... mas estes, tanto quanto imagino, não abrangem a humilhação pública).
O mais básico e animalesco sentido da autopreservação leva-nos a repudiar qualquer situação de "dor" emocional ou física infligida publicamente. Seja gratuita, seja com causa social.
Precisamente por isso, os castigos públicos foram totalmente banidos. Nas instituições militares, nas de saúde (máxime mental), nas de ensino. Até o poder de correcção que milenarmente integrou o poder paternal foi cerceado ao mínimo.
A inflicção de qualquer tipo de castigo, seja físico ou psicológico, é reprovada pelo sistema jurídico na sua globalidade, gozando de protecção penal. Só o Estado pode punir. Mais: todo o tipo de "abuso" físico ou psíquico causado por quem tenha qualquer domínio sobre a vítima leva a que o crime em causa seja agravado. Assim os professores sobre alunos, os guardas sobre reclusos e até os agentes de autoridade sobre os civis.
Em todas as sociedades civilizadas ocidentais da segunda metade do século xx são condutas criminosas as ofensas à integridade física, as injúrias, o cárcere privado ou sequestro, a tortura, as ameaças e a coacção, e tantos outros comportamentos que contendem com o núcleo essencial de protecção de qualquer ser humano: os próprios corpo e mente.
Com este enquadramento, é óbvio que nunca poderiam ser admitidos nenhuns dos comportamentos que caracterizam as "praxes académicas". As praxes não são - por definição - jogos florais, chás dançantes, marchas, nem cantigas. Não são modo de integrar ninguém, nem festivais de boas vindas. O que caracteriza a "praxe" (e todos os que andaram mesmo numa faculdade o sabem) é, sempre foi, a inflicção de humilhações e castigos por alguns alunos aos seus colegas. Tudo sob o olhar cândido das escolas, funcionários e professores. Não são exercício de liberdade individual, nem de liberdade de associação e reunião.
Digo-o, e sempre o disse! Em paredes da casa em que leccionei 16 anos estão inscritas frases como "recusa a praxe" - imaginarão porquê.
Claro que, farisaicamente, incriminou-se o bullying nas escolas, o mesmo que sempre se aceitou no ensino superior e agora se repudia sob o peso dos cadáveres do Meco. Venha de lá, então, um novo crimezinho "para inglês ver".
"Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Sois como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão!" (Mt 23:27)

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