A ÚLTIMA DAS LIBERDADES

Pedro Vaz Patto
Voz da Verdade, 2014-01-05

            Têm sido muito discutidos anunciados projetos governamentais que tendem a dar às famílias a oportunidade de optar, sem maiores encargos financeiros, entre escolas estatais e não estatais.
            Esta discussão tem assumido contornos marcadamente ideológicos, dividindo a direita e a esquerda. Não é assim em países em que, desde há muito (como a Bélgica e a Holanda) ou mais recentemente (como a Suécia), vigoram sistemas como os que agora são propostos e que aí recolhem consensos que ultrapassam as querelas ideológicas entre direita e esquerda.
            Contra esses sistemas, tem-se dito entre nós que favorecerem as escolas privadas em detrimento das públicas, sendo que estas representam um espaço privilegiado de convívio pluralista e socialmente diversificado, quando as primeiras contribuem para a segregação social e religiosa.
            Este tipo de críticas esquece o princípio básico que nesta matéria está em jogo. Não se trata de favorecer escolas privadas em detrimento das públicas, nem de colocar umas e outras em confronto, como se umas fossem sistematicamente melhores do que as outras. Nem se trata, apenas ou fundamentalmente, de colher os benefícios da concorrência também nesta área. O que está em causa é, acima de tudo, o valor da liberdade de ensino, que supõe a liberdade de escolha entre vários modelos. E os vários modelos em confronto não refletem apenas o maior ou menor sucesso de uns ou outros, nem simples diferenças de técnicas pedagógicas, refletem também diferentes propostas quanto à visão da pessoa humana e da sua vocação, incluindo na sua dimensão religiosa. É fundamentalmente este aspeto que confere a maior relevância ao princípio, consagrado no artigo 26.º, n.º 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que «aos pais compete a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos».
            Nesta linha, proclama a Carta dos Direitos da Família (apresentada há trinta anos pela Santa Sé a todo o mundo), no seu artigo 5.º, b), que «os pais têm o direito de escolher livremente as escolas ou outros meios necessários para educar os seus filhos, em conformidade com as suas convicções. Os poderes públicos, ao repartiram os subsídios públicos, devem fazer de tal forma que os pais fiquem verdadeiramente livres de exercer este direito sem terem que se sujeitar a ónus injustos.» 
            Não se trata de desvalorizar a escola pública. Esta não há-de desaparecer, como não desapareceu em nenhum dos países acima referidos. O Estado mantém responsabilidades neste campo, só deixa de atuar em monopólio e passa a fazê-lo de forma concorrente ou supletiva. Haverá quem, no exercício da sua liberdade, opte por escolas estatais e haverá muitos locais onde não chegam iniciativas particulares e tem de chegar o Estado.
            Quem reconheça mais vantagens na escola pública, pelo seu pluralismo e suposta neutralidade, continuará a ter o direito de por ela optar. Mas quem considere que essa neutralidade não existe, é apenas aparente ou se traduz em relativismo, ou que a irrelevância da dimensão religiosa da pessoa torna qualquer ensino truncado e incompleto, também há-de poder optar por outro tipo de escolas. Estas podem propor (sem impor) um ensino de inspiração cristã ou outra, mas não são necessariamente fechadas a pessoas de outras convicções.
            Muitas vezes se associa o ensino não estatal a uma classe socialmente privilegiada. Essa classe é a que hoje, em Portugal e com poucas exceções, pode beneficiar desta tão importante liberdade de escolha. Qualquer proposta que, através do financiamento público das escolas ou das próprias famílias, permita alargar essa liberdade de escolha a qualquer família, independentemente dos seus recursos, contribui para reduzir a injustiça social do sistema que entre nós vigora.
            Esta injustiça tem levado a que se diga da liberdade de ensino que é, entre nós, a "última das liberdades", ou seja, a que, em quase quarenta anos de democracia, ainda aguarda o seu pleno exercício por todas as famílias. É sabido como, historicamente, os regimes políticos totalitários sempre pretenderam substituir as famílias através do doutrinamento das gerações jovens com recurso ao ensino estatal. Só a liberdade de ensino afasta definitivamente esse risco e respeita cabalmente os direitos da família.

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