Obediência

Inês Teotónio Pereira
ionline, 2014-01-18

São raros os filhos que acatam uma ordem sem discussão, sem debate, nem polémica ou mesmo sem birra. É assim e é transversal
Os filhos, à partida, não obedecem. Os filhos lutam pela sua liberdade, pela sua vontade, desde o dia em que tentam chegar a um cinzeiro para saber qual o sabor do vidro misturado com cinzas ou ameaçam deitar a televisão ao chão porque querem tocar na cara do pivô do telejornal. Desde muito, muito pequeninos que é assim. É assim desde o primeiro dia até ao dia em que finalmente desistimos e compramos um cão para podermos ver as nossas ordens verdadeiramente cumpridas.
Os filhos, ao contrário dos cães, ou desobedecem ou discutem. São raros os filhos que acatam uma ordem sem discussão, sem debate, nem polémica ou mesmo sem birra. É assim e é transversal. E não é uma questão particular, individual, que tenha a ver com as características dos pais ou das crianças ou com a educação que lhes damos. Nada disso. A desobediência dos filhos tem a ver apenas com a sua condição de filhos. Um filho, por princípio, não obedece aos pais. No final do dia até pode ceder, depois de muito desgaste, algumas ameaças e uma ou outra palmada, mas o caminho que se tem de fazer para chegar a este estado de obediência é no mínimo desgastante.
Os filhos só nos obedecem em duas circunstâncias: quando não têm alternativa ou quando até concordam com a ordem recebida. Tirando estas duas situações, temos luta.
Por exemplo, no meu caso, não há dia em que a ordem de ida para a cama não seja motivo para se abrir um debate. Eles à partida contestam, refilam, argumentam e os mais novos até fazem uma ou outra birra. É assim desde sempre. Todos os dias. E é cada vez mais trabalhoso. Eles nunca querem ir para a cama sejam as horas que forem. Nunca têm sono, nunca é tarde e têm sempre qualquer coisa para acabar de ver ou para acabar de fazer. Por vontade deles nunca iam para a cama: caíam para o lado de exaustão e pronto. Por isso, todos os dias é preciso insistir, discutir, argumentar e no fim ordenar usando toda a autoridade que ainda nos resta no final de um dia. E o mais ridículo é que acabam por ir para a cama todos os dias à mesma hora. Não há discussão que lhes valha.
Nós, pais, temos sempre aquela secreta esperança de que amanhã é que vai ser, que a desobediência é passageira, uma mera fase, que é da idade. Mas é mentira. Os nossos filhos não se curvam. O "sim, mãe" espontâneo é uma raridade. Nunca é sim. É sempre "porquê?", "agora não", "já vou", "não posso" ou apenas "não". Os filhos dizem mais vezes "não" aos pais do que os pais aos filhos. E muitas vezes vencem por desgaste do adversário, por falta de comparência da nossa parte. Por cansaço.
Os filhos lidam mal com as ordens. E por isso o nosso exercício de poder paternal está condicionado pelo facto de termos um trabalhão dos diabos a dar ordens aos nossos filhos. Quando usamos o imperativo, a criançada agita-se, defende-se e prepara um motim.
A única forma de aliviar a tensão, de tornar este processo de exercício de autoridade possível, eficaz, moderado e consistente é escolher bem as ordens que se dá e resistir ao cansaço, ser firme. Tendo em conta a atitude hostil dos nossos filhos às ordens, é fundamental sermos cirúrgicos com as que damos. Devemos de ser criteriosos e justos na selecção para conquistarmos alguma credibilidade como agentes da autoridade. Se abusamos, se abusamos da nossa autoridade, temos o mesmo destino que qualquer líder totalitário: só conseguimos obediência através da força. Uma estupidez, portanto.

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