Compreender o passado para acreditar no futuro
Ionline, 2014-01-06
Quase todas as grandes mudanças que Portugal conheceu desde 1974 fizeram-se contra os votos e a vontade da esquerda comunista
Comecemos 2014, ano em que celebraremos os 40 anos da revolução de Abril, olhando para trás: o que mudou em Portugal desde 1974? Muita coisa. O PIB aumentou 87 vezes, de menos de 2 mil milhões para 165 mil milhões. Quadruplicou o número de médicos por cada 100 mil habitantes. Caiu a pique a mortalidade infantil, passando de 45 mortes por cada mil nascimentos para apenas 3. Diminuiu para menos de metade o abandono escolar. E aumentou em mais de 10 vezes o número de portugueses com formação superior. O que estes (e outros) indicadores da nossa realidade nos mostram é inequívoco: o projecto democrático trouxe-nos liberdade e uma vida melhor. Para muitos, isso é tão óbvio que nem merece uma nota. Mas, na verdade, merece.
Primeiro, porque os tempos difíceis em que hoje vivemos são campo fértil para a promoção de ideias anti-democráticas, que pretendem associar a crise à fragilidade decisória dos regimes liberais. Observe-se, aliás, a subida do Front National, em França e a alguns meses das eleições europeias, para percebermos a seriedade do problema. Segundo, esta nota é útil porque é sustentada em dados empíricos. É um facto, e não uma opinião, que Portugal está, desde 1974, mais rico, mais escolarizado, com melhor acesso à saúde e mais bem ligado entre si - a realidade refutou, assim, os fundamentos do saudosismo que vários alimentam quanto ao Estado Novo. E terceiro porque a evolução do país revela o quanto a esquerda de matriz comunista está caduca. Virada para o passado e apropriando-se dos méritos da transição democrática, quase todas as grandes mudanças que Portugal conheceu desde 1974 fizeram-se contra os votos e a vontade da esquerda comunista. De facto, a evolução que os comunistas aplaudem hoje resulta da acção dos governos (de PS, PSD e CDS-PP) que tanto criticaram e quiseram derrubar - um exercício hipócrita com o qual esta esquerda nunca se viu confrontada.
No início de um ano difícil como será 2014, aceitar a evolução que nos trouxe do passado ao presente é crucial, porque enquadra os desafios que temos à nossa frente. Desafios que são diferentes, mas igualmente determinantes. Para além dos económicos, que são evidentes, vale a pena destacar dois.
Um é o desafio da demografia, que raramente tem sido discutido com a seriedade exigível e que implica alterações significativas, complexas e controversas na organização da nossa sociedade e no funcionamento do Estado Social - haverá mais pensionistas, menos adultos a trabalhar e ainda menos jovens em idade escolar (em 40 anos, a taxa de natalidade caiu para menos de metade). Outro é o contraste geracional entre as qualificações dos portugueses. Portugal tem hoje uma população jovem muito qualificada e uma população mais velha pouco qualificada, o que forçosamente tem consequências gravosas: "portugueses com idades entre os 45 e os 65 anos, detentores de experiência e conhecimentos profissionais, foram duramente atingidos na sua dignidade, ao serem colocados perante o risco de não conseguirem regressar ao mercado de trabalho". A frase é de Cavaco Silva, retirada da sua mensagem de Ano Novo - e não podia ser mais clara quanto à urgência deste desafio.
É verdade que, olhando para trás, podemos estar confiantes que, como no passado, seremos capazes de superar estes desafios. Mas, para isso, também como no passado, teremos de fazer deles verdadeiros desígnios nacionais. E enquanto é tempo. É que a realidade não espera - impõe-se.
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