Salazar detestava futebol e fado

Henrique Raposo
Expresso,  9 de janeiro de 2014
Nos últimos dias, o lero-lero dos três "F" voltou em força. Portanto, convém meter os pontos nos "F": o Estado Novo não promoveu o futebol e o fado como distracções romanas, Amália e Eusébio não foram os gladiadores de um circo de entretenimento destinado a desviar as atenções do povo. O mito dos três "F" é um absurdo. Tal como António-Pedro Vasconcelos explicou há tempos no Sol, a popularidade nacional e internacional de Eusébio e de Amália foi feita "à revelia do regime". O futebol e o fado foram e são construções populares, fenómenos orgânicos, gostos e afectos que se partilham entre pais e filhos.  
O Estado Novo não era um regime fascista como os regimes de Mussolini ou Hitler. Os ditadores de Itália e da Alemanha estavam centrados nas massas, lideravam movimentos de massas. O desporto e o futebol eram pontos-chave nas suas encenações: Mussolini glorificou a selecção italiana, Hitler endeusou os Jogos Olímpicos de Munique de 1936, Leni Riefenstahl cunhou a estética fascista através da glorificação do corpo em Olympia, a maior celebração pagã depois de Stonehenge. Ora, o regime autoritário de Salazar era o oposto desta ópera encenada. O Estado Novo foi feito contra as movimentações das massas, foi feito contra a "formiga branca" de Lisboa, foi um regime de repressão e não de exaltação. Mussolini dizia "venham para a rua celebrar-me", Salazar dizia "fiquem em casa, sff". Neste sentido, o futebol e o fado eram encarados "como aglomeradores de massas, espectáculos de duvidoso gosto popular, potencialmente subversivos e portanto perigosos para a paz social, feita de repressão e apelos ao conformismo" (António-Pedro Vasconcelos).
Não, Salazar não instrumentalizou o futebol e, ao contrário do que se diz, não tinha uma estratégia para manter Eusébio em Portugal. Não conheço em pormenor a conversa Salazar-Eusébio de 1962 (tenho de ler isto ), mas conheço o episódio de 1967. Nesse ano, Eusébio assinou um contrato com o Inter de Milão. Ou seja, o Benfica estava a vender o Rei sem qualquer intromissão do regime. Problema? A Itália estava em estado de choque com a miserável campanha da sua selecção em 1966 e, em consequência, a Federação Italiana proibiu a entrada de estrangeiros nos clubes italianos. Era preciso formar mais jogadores italianos, diziam.
Para terminar, convém sublinhar que Salazar detestava futebol e fado. Um pormaior, para usar uma palavra de Carlos Pinhão.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António