Nova Ordem Mundial
Bernardo Castro
A geração dos trinta é com alguma probabilidade a última herdeira de um legado de cerca de dois mil anos – a Civilização Ocidental como a conhecemos até hoje. O conjunto de valores morais e éticos, as normas sociais, as tradições, as crenças, o valor e a dignidade da pessoa, a verdade e o bem como certezas acessíveis a quem se quer guiar por eixos de conduta seguros, tudo isso tem mudado drasticamente no espaço de uma geração.
É certo que esta alteração civilizacional vem sendo preconizada desde há mais de um século, mas nos últimos cerca de quarenta anos tem havido uma urgência voraz de mudança de padrões que, com toda a eficácia, tem alterado tudo o que até agora considerámos como adquirido.
Tal tem sido a rapidez e a habilidade com que as mudanças se têm vindo a fazer, que o mais que quem não concorda com elas tem feito para as contrariar são alguns documentos e iniciativas tentatívicas de travar esta marcha arrebatadora.
De todas as transformações a que temos assistido, a mais marcante enquanto linha de fronteira entre duas Eras é a alteração do que se considera o "valor e a dignidade da pessoa". De há cerca de meio século para cá que, tijolo a tijolo, se tem desconstruído o pilar da Civilização Ocidental – o próprio Homem – através de uma estratégia extraordinariamente paradoxal: deve dar-se ao Homem tudo o que imediatamente quer. E assim se muda de Era.
Assim, astutamente, se aceitou a sexualidade não como entrega total e definitiva de um homem e de uma mulher, mas também como meio de diversão casual; sorrateiramente, aceitou-se a consequência da primeira, e a procriação foi definitivamente desligada da entrega de duas pessoas; despercebidamente, foi imperioso aceitar o aborto como modo de evitar aquela consequência indesejável; suavemente, a tal união para a toda a vida entre o homem e a mulher foi considerada castradora à liberdade que anteriormente fazia ferver no casal o desejo de vinculação perene; sub-repticiamente, encarou-se o casamento – aquela milenar vinculação definitiva entre um homem e uma mulher – como união ocasional de duas pessoas adultas, até que o enfado os separe; sagazmente, o instituto da adopção enquanto meio de salvaguardar o superior interesse de uma criança, devolvendo-a ao ambiente o mais equiparável possível à sua família biológica, revelou-se um meio de fazer justiça e de trazer equiparação de direitos entre adultos; inevitavelmente, para salvaguardar casos verdadeiros e dramáticos de sofrimento, a sociedade oferece como consolo a morte tranquilizadora através da eutanásia.
O que o Homem quer, o Homem tem. E logo!
Deste modo, desaparece a paciência da procura e da espera pela pessoa ao lado de quem se envelhece; sucumbe o esforço quotidiano de superar as dificuldades matrimoniais e o valor da cedência na procura abnegada do bem do outro; evapora a segurança que a entrega mútua do casal deveria representar, como sinal de um "para sempre"; retira-se a necessidade de cuidar, proteger e educar o fruto do amor que só um homem e uma mulher conseguem gerar; desencorajam-se as formas de acompanhar, ajudar e conviver com aqueles a quem, por falta destas coisas, falta a coragem para viver.
E enquanto todas estas alterações se fazem – quase sem que nós percebamos como estão a alterar os paradigmas da convivência humana – diluem-se de tal forma os conceitos do que seja o bem e a verdade, que todas as novas soluções, radicalmente contra o que até agora se tem considerado como bom, são apresentadas como indo ao encontro do mesmo bem e da mesma verdade.
E, de uma civilização em que verdade e bem eram consideradas certezas acessíveis, estamos à beira de fazer parte da nova ordem mundial, em que aqueles valores deixam por definitivo de existir, porque, invocando-os, se defende hoje a antípoda do que se defendeu ontem.
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