Comigo foi assim
Observador | 07/01/14 00:05 | Helena Matos
As chegadas da equipa do Benfica a Portugal. As primeiras deslocações pelo país de Marcello Caetano após a atribuição das pensões aos rurais e também a sua viagem a África.
O 1º de Maio de 1974. - Estes são os momentos da nossa História recente em que os arquivos de imagem e de fotografia nos mostram milhares e milhares de portugueses numa espécie de estado de felicidade quimicamente pura. Em que a dimensão da massa humana era tal que nenhuma polícia teria tido capacidade para a controlar caso os manifestantes trocassem os sorrisos e as lágrimas de alegria pela violência. Foi portanto ao ver fotos, textos e imagens de arquivo que descobri Eusébio, ou melhor dizendo a relação que o País estabeleceu com ele.
Como todos os portugueses nascidos na década de 60 eu sabia quem era Eusébio. Mas a verdade é que como alguns (poucos) portugueses nascidos ou não na década de 60 o futebol não me interessava. O que fui descobrindo de Eusébio nas imagens de arquivo não me tornou menos ignorante nem menos alheia ao universo dos jogos propriamente ditos - se houvesse uma versão condensada em cinco minutos só com golos até que mudaria de opinião! - mas ensinou-me muito sobre os portugueses e Portugal. Porque progressivamente Eusébio deixou de ser o melhor jogador do mundo para se tornar num símbolo dos portugueses. Daqueles portugueses, que somos quase todos, agradáveis mas com "pouca cultura" como disse Mário Soares. Ou se quisermos daqueles portugueses que, independentemente do que dizem os seus cultíssimos governantes e pensadores, vão sabiamente vivendo com tolerância e fazendo o melhor que sabem, mesmo que isso seja interpretado pelas elites como sinal de pouca cultura. Pensem só no que teria sido se Eusébio em vez de ter sido como foi tivesse optado por desenvolver o discurso do ressentimento que os cultíssimos dirigentes da Pátria tantas vezes promovem.
Teríamos tido o problema de lhe terem chamado preto quando o termo correcto era negro. Depois porque lhe chamaram negro quando era luso-africano. Em seguida porque chamaram luso-africano quando devia ter sido africano. Por fim porque lhe chamaram africano quando lhe deviam ter chamado português. E assim sucessivamente que a matéria é inesgotável! Sendo certo que mesmo o cognome "pantera negra" não se sabe bem se não teria de ficar pelo termo pantera livrando-se da inconveniente referência cromática. Em seguida haveria a problemática do seu desenraizamento vindo do que era então Portugal Africano para a Metrópole, problemática a que anos mais tarde se juntaria o gorar da sua partida para o estrangeiro porque era património nacional. Mas não acabaria aqui o pretexto para a amargura pois pela vida de Eusébio também passou um regime que por uns breves tempos considerou que o futebol era uma alienação e onde alguns mais prosélitos equacionaram se Eusébio não devia voltar à sua terra que agora era uma república popular. A isto junta-se uma infância paupérrima numa terra que se chamava Lourenço Marques quando devia ser Maputo e donde para maior agravo saiu sob um nome falso e de mulher.
Além dos golos e dos jogos temos a agradecer a Eusébio ter também fora dos estádios representado o povo português como ele é: sábio, capaz do melhor e felizmente vivendo o dia-a-dia junto daqueles que ama, sem ligar muito ao que a cada momento determinam os dirigentes. Eu, que não gosto muito do Zé Povinho como símbolo do povo a que pertenço, revejo-me muito mais na imagem do Eusébio. Qual delas? Deveria escolher uma fotografia em que sorri ou celebra. Mas a verdade é que não consigo olhar para aquela imagem em que ele chora sem perceber que somos todos nós, portugueses, que ali estamos também.
As chegadas da equipa do Benfica a Portugal. As primeiras deslocações pelo país de Marcello Caetano após a atribuição das pensões aos rurais e também a sua viagem a África.
O 1º de Maio de 1974. - Estes são os momentos da nossa História recente em que os arquivos de imagem e de fotografia nos mostram milhares e milhares de portugueses numa espécie de estado de felicidade quimicamente pura. Em que a dimensão da massa humana era tal que nenhuma polícia teria tido capacidade para a controlar caso os manifestantes trocassem os sorrisos e as lágrimas de alegria pela violência. Foi portanto ao ver fotos, textos e imagens de arquivo que descobri Eusébio, ou melhor dizendo a relação que o País estabeleceu com ele.
Como todos os portugueses nascidos na década de 60 eu sabia quem era Eusébio. Mas a verdade é que como alguns (poucos) portugueses nascidos ou não na década de 60 o futebol não me interessava. O que fui descobrindo de Eusébio nas imagens de arquivo não me tornou menos ignorante nem menos alheia ao universo dos jogos propriamente ditos - se houvesse uma versão condensada em cinco minutos só com golos até que mudaria de opinião! - mas ensinou-me muito sobre os portugueses e Portugal. Porque progressivamente Eusébio deixou de ser o melhor jogador do mundo para se tornar num símbolo dos portugueses. Daqueles portugueses, que somos quase todos, agradáveis mas com "pouca cultura" como disse Mário Soares. Ou se quisermos daqueles portugueses que, independentemente do que dizem os seus cultíssimos governantes e pensadores, vão sabiamente vivendo com tolerância e fazendo o melhor que sabem, mesmo que isso seja interpretado pelas elites como sinal de pouca cultura. Pensem só no que teria sido se Eusébio em vez de ter sido como foi tivesse optado por desenvolver o discurso do ressentimento que os cultíssimos dirigentes da Pátria tantas vezes promovem.
Teríamos tido o problema de lhe terem chamado preto quando o termo correcto era negro. Depois porque lhe chamaram negro quando era luso-africano. Em seguida porque chamaram luso-africano quando devia ter sido africano. Por fim porque lhe chamaram africano quando lhe deviam ter chamado português. E assim sucessivamente que a matéria é inesgotável! Sendo certo que mesmo o cognome "pantera negra" não se sabe bem se não teria de ficar pelo termo pantera livrando-se da inconveniente referência cromática. Em seguida haveria a problemática do seu desenraizamento vindo do que era então Portugal Africano para a Metrópole, problemática a que anos mais tarde se juntaria o gorar da sua partida para o estrangeiro porque era património nacional. Mas não acabaria aqui o pretexto para a amargura pois pela vida de Eusébio também passou um regime que por uns breves tempos considerou que o futebol era uma alienação e onde alguns mais prosélitos equacionaram se Eusébio não devia voltar à sua terra que agora era uma república popular. A isto junta-se uma infância paupérrima numa terra que se chamava Lourenço Marques quando devia ser Maputo e donde para maior agravo saiu sob um nome falso e de mulher.
Além dos golos e dos jogos temos a agradecer a Eusébio ter também fora dos estádios representado o povo português como ele é: sábio, capaz do melhor e felizmente vivendo o dia-a-dia junto daqueles que ama, sem ligar muito ao que a cada momento determinam os dirigentes. Eu, que não gosto muito do Zé Povinho como símbolo do povo a que pertenço, revejo-me muito mais na imagem do Eusébio. Qual delas? Deveria escolher uma fotografia em que sorri ou celebra. Mas a verdade é que não consigo olhar para aquela imagem em que ele chora sem perceber que somos todos nós, portugueses, que ali estamos também.
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