O amor é…
DE | 21/01/14 | Helena Matos
Nos anos 70 havia uns bonequinhos que nos garantiam o que era o amor: o amor era levar-lhe o pequeno-almoço à cama, oferecer-lhe flores... Enfim o amor aparecia como simples e sem sobressaltos, coisa em si mesma contrária ao mesmo amor como superiormente explica Camões, mas isso agora não é assunto para aqui chamado porque ao pé de Camões eu mal sei escrever e também porque estamos num jornal de economia e, apesar do sobe e desce da bolsa me parecer o que de mais aproximado existe aos sobressaltos e caprichos amorosos, algo me diz que é melhor não ir por aí.
O que sei é que agora, em 2014, em Portugal, o amor é também ser co-adoptado por casais do mesmo sexo. Amanhã será qualquer outra coisa que a agenda activisto-mediática no momento determine.
Na verdade por amor somos capazes de fazer tudo, cabendo neste tudo um melhor e um pior que nenhum outro sentimento é susceptível de mobilizar, o que está longe de poder implicar que esse tudo invariavelmente deva ter consagração legal ou sequer que a lei sobre tal se deva pronunciar mais do que o estritamente necessário. Por exemplo que direito temos nós de duvidar que se amam os cônjuges das muitas famílias polígamas que residem na Europa? Para muitas pessoas a poligamia além de livremente consentida ainda tem um suporte religioso e cultural. Em nome do amor que os membros dessas famílias certamente sentem uns pelos outros vamos integrar esse modelo familiar no nosso quadro legal?
O que está em causa na co-adopção, tal como no recurso às barrigas de aluguer e em alguns casos à inseminação artificial, não é uma questão de amor ou de competência para tratar de crianças mas sim de modelo familiar e de direito à identidade por parte da criança. Não se questiona que cidadãos adultos e livres vivam como lhes aprouver - e por isso falar de homofobia não faz qualquer sentido - está sim em causa até que ponto para que algumas pessoas se possam dizer pais ou mães estamos dispostos a abdicar de princípios como o direito à identidade por parte da criança. Ou por exemplo, como podemos condenar a compra e venda de seres humanos ou ficarmos muito chocados com as histórias das mães solteiras espanholas e irlandesas que noutros tempos foram coagidas pelo clero católico a entregar os seus filhos para adopção e acharmos normal quando não glamouroso que nos nossos dias após nove meses de gravidez algumas mulheres despersonificadas na figura de "barriga de aluguer" entreguem (não raramente em troca de uma contrapartida monetária) os seus filhos a quem lhos encomendou?
Sejamos honestos: no actual quadro legal quando uma criança fica orfã nada impede que um tribunal entregue a guarda dessa criança aos parceiros/cônjuges do seu pai/mãe adoptivos ou biológicos caso considere que essa opção é a melhor para a criança. E isto é válido para os homossexuais como para os heterossexuais. Mais, em 2009 o Tribunal de Oliveira de Azeméis entregou a guarda de duas meninas a um tio que vivia com outro homem pois a juíza entendeu que aquele casal homossexual reunia mais condições para tratar das crianças do que os pais. O que está em causa portanto no âmbito da adopção e co-adopção por casais homossexuais - aliás a única dessas propostas que merece esse nome é a do PS pois a do BE e dos Verdes parecem rascunhos redigidos a correr para mostrar serviço - não é a quem as crianças podem ser entregues mas sim que algumas pessoas através de uma mudança da lei se possam dizer pais ou mães.
As leis podem e devem mudar mas essa mudança não deve ser feita à custa da perda de direitos por parte dos mais frágeis: a legislação do divórcio implicou que em nome das crianças, pais e mães perdessem direitos. Isto sem pensarmos sequer nos padrastos e nas madrastas que na verdade só ganharam deveres. A legislação do divórcio dos anos 70 do século passado resolveu os problemas dos adultos sem que isso implicasse perda de direitos para as crianças que continuaram a manter as referências do pai e da mãe. Independentemente de todo o amor que os adultos possam sentir pelas crianças, não se pode aceitar como inevitável que aos tempos dos filhos de pais incógnitos se suceda a era dos filhos da lei. Ou seja crianças cuja amputação, invenção ou alteração dos dados de identidade servem para provar os direitos dos seus pais tal como no passado o estatuto de pai ou mãe incógnitos serviu para preservar o estatuto doutros adultos.
Venha ou não a ter lugar o referendo - coisa difícil porque em Portugal os referendos dividem-se em actos de avanço civilizacional ou coisa nojenta se neles alguma esquerda entrevir respectivamente uma possibilidade de vitória ou uma hipótese de derrota - é fundamental não esquecermos que uma má lei não se pode remediar com outra pior ainda: em 2010, Portugal consagrou o casamento entre pessoas do mesmo sexo com uma lei mal feita e que mais cedo ou mais tarde levaria a que se colocasse o problema da identidade das crianças. Em 2014 recomenda-se mais ponderação e menos dogmatismo. Porque seja em nome do amor ou do ódio os resultados do dogmatismo são sempre trágicos.
Nos anos 70 havia uns bonequinhos que nos garantiam o que era o amor: o amor era levar-lhe o pequeno-almoço à cama, oferecer-lhe flores... Enfim o amor aparecia como simples e sem sobressaltos, coisa em si mesma contrária ao mesmo amor como superiormente explica Camões, mas isso agora não é assunto para aqui chamado porque ao pé de Camões eu mal sei escrever e também porque estamos num jornal de economia e, apesar do sobe e desce da bolsa me parecer o que de mais aproximado existe aos sobressaltos e caprichos amorosos, algo me diz que é melhor não ir por aí.
O que sei é que agora, em 2014, em Portugal, o amor é também ser co-adoptado por casais do mesmo sexo. Amanhã será qualquer outra coisa que a agenda activisto-mediática no momento determine.
Na verdade por amor somos capazes de fazer tudo, cabendo neste tudo um melhor e um pior que nenhum outro sentimento é susceptível de mobilizar, o que está longe de poder implicar que esse tudo invariavelmente deva ter consagração legal ou sequer que a lei sobre tal se deva pronunciar mais do que o estritamente necessário. Por exemplo que direito temos nós de duvidar que se amam os cônjuges das muitas famílias polígamas que residem na Europa? Para muitas pessoas a poligamia além de livremente consentida ainda tem um suporte religioso e cultural. Em nome do amor que os membros dessas famílias certamente sentem uns pelos outros vamos integrar esse modelo familiar no nosso quadro legal?
O que está em causa na co-adopção, tal como no recurso às barrigas de aluguer e em alguns casos à inseminação artificial, não é uma questão de amor ou de competência para tratar de crianças mas sim de modelo familiar e de direito à identidade por parte da criança. Não se questiona que cidadãos adultos e livres vivam como lhes aprouver - e por isso falar de homofobia não faz qualquer sentido - está sim em causa até que ponto para que algumas pessoas se possam dizer pais ou mães estamos dispostos a abdicar de princípios como o direito à identidade por parte da criança. Ou por exemplo, como podemos condenar a compra e venda de seres humanos ou ficarmos muito chocados com as histórias das mães solteiras espanholas e irlandesas que noutros tempos foram coagidas pelo clero católico a entregar os seus filhos para adopção e acharmos normal quando não glamouroso que nos nossos dias após nove meses de gravidez algumas mulheres despersonificadas na figura de "barriga de aluguer" entreguem (não raramente em troca de uma contrapartida monetária) os seus filhos a quem lhos encomendou?
Sejamos honestos: no actual quadro legal quando uma criança fica orfã nada impede que um tribunal entregue a guarda dessa criança aos parceiros/cônjuges do seu pai/mãe adoptivos ou biológicos caso considere que essa opção é a melhor para a criança. E isto é válido para os homossexuais como para os heterossexuais. Mais, em 2009 o Tribunal de Oliveira de Azeméis entregou a guarda de duas meninas a um tio que vivia com outro homem pois a juíza entendeu que aquele casal homossexual reunia mais condições para tratar das crianças do que os pais. O que está em causa portanto no âmbito da adopção e co-adopção por casais homossexuais - aliás a única dessas propostas que merece esse nome é a do PS pois a do BE e dos Verdes parecem rascunhos redigidos a correr para mostrar serviço - não é a quem as crianças podem ser entregues mas sim que algumas pessoas através de uma mudança da lei se possam dizer pais ou mães.
As leis podem e devem mudar mas essa mudança não deve ser feita à custa da perda de direitos por parte dos mais frágeis: a legislação do divórcio implicou que em nome das crianças, pais e mães perdessem direitos. Isto sem pensarmos sequer nos padrastos e nas madrastas que na verdade só ganharam deveres. A legislação do divórcio dos anos 70 do século passado resolveu os problemas dos adultos sem que isso implicasse perda de direitos para as crianças que continuaram a manter as referências do pai e da mãe. Independentemente de todo o amor que os adultos possam sentir pelas crianças, não se pode aceitar como inevitável que aos tempos dos filhos de pais incógnitos se suceda a era dos filhos da lei. Ou seja crianças cuja amputação, invenção ou alteração dos dados de identidade servem para provar os direitos dos seus pais tal como no passado o estatuto de pai ou mãe incógnitos serviu para preservar o estatuto doutros adultos.
Venha ou não a ter lugar o referendo - coisa difícil porque em Portugal os referendos dividem-se em actos de avanço civilizacional ou coisa nojenta se neles alguma esquerda entrevir respectivamente uma possibilidade de vitória ou uma hipótese de derrota - é fundamental não esquecermos que uma má lei não se pode remediar com outra pior ainda: em 2010, Portugal consagrou o casamento entre pessoas do mesmo sexo com uma lei mal feita e que mais cedo ou mais tarde levaria a que se colocasse o problema da identidade das crianças. Em 2014 recomenda-se mais ponderação e menos dogmatismo. Porque seja em nome do amor ou do ódio os resultados do dogmatismo são sempre trágicos.
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