O inevitável que não acontece e o improvável que pode acontecer
Faço votos de que a inevitável radicalização do conflito político de facto não aconteça. E que o improvável debate racional entre os nossos partidos democráticos possa de facto acontecer.
O regresso de Varsóvia à pátria Lusa tem certamente as suas doçuras. Mas também algumas agruras. Uma destas reside nos noticiários televisivos, que são incrivelmente longos e passam todas as desgraças nativas com detalhe surpreendente. Um patriota esforça-se por aguentar a tormenta, mas não é fácil.
Há ainda o tom do discurso político-mediático, surpreendentemente dominado pela extrema-esquerda. Têm poucos votos, mas muito palco. Chamam nomes a toda a gente que não concorda com eles e passam a vida a dizer que toda a gente é de direita, a começar pelos socialistas. Em boa verdade, fazem isso desde o PREC. É o chamado "vira-o-disco-e-toca-o-mesmo". O que é intrigante é por que têm tanto palco. Eu, francamente, não compreendo.
Os socialistas, obviamente, permanecem fiéis ao que sempre foram: um partido da esquerda democrática. Isso salvou a nossa democracia no passado, e é indispensável a qualquer democracia, no presente e no futuro. Seria importante ouvir hoje dos socialistas uma crítica ao Governo e um programa alternativo que fossem mais consistentes e mais claramente alternativos: mais alternativos ao discurso do Governo e mais alternativos ao discurso da extrema-esquerda.Neste sentido, é uma boa notícia o lançamento pelo partido socialista, na passada quinta-feira, da Declaração de Um Novo Rumo para Portugal. O texto é ainda vago, mas abre caminho a uma reflexão aberta à sociedade civil sobre um programa político alternativo ao da presente maioria. Essa reflexão é necessária e urgente. O debate político nacional carece de uma consistente alternativa socialista.
Nesta declaração, os socialistas anunciam querer colocar a tónica no crescimento económico e na criação de emprego. É um excelente ponto de partida. Mas é importante dizer como pode isso ser feito. Neste capítulo, penso que Vital Moreira equacionou o problema com bastante rigor, numa entrevista ao Sol de anteontem: "Depois da crise, não voltamos ao estado anterior em que tínhamos o recurso dos impostos, o endividamento e o dinheiro da União Europeia. O tempo do endividamento acabou. A partir de agora, provavelmente temos é de ter saldos positivos para diminuir a dívida acumulada. Vamos ter de ser muito austeros e imaginativos se quisermos manter o Estado social. É um desafio para o PS, quando voltar ao Governo."
Este é realmente o desafio que se coloca à esquerda democrática: como manter o Estado social, sem aumentar ainda mais os impostos e o endividamento do país. É, de certa forma, um desafio semelhante ao que se coloca ao centro e à direita democrática: como baixar os impostos e libertar as energias da sociedade civil, sem aumentar a dívida pública.
Na data em que escrevo, não sei se o congresso do CDS, que decorreu neste fim-de-semana, terá ou não contribuído para clarificar esse desafio do centro-direita. Mas é positivo que o problema tenha sido pelo menos formulado pelos dirigentes do partido. É também positivo que o próprio primeiro-ministro tenha reconhecido que este é um problema que não pode ser ignorado. Não é realmente possível ignorar a carga fiscal excessiva que desincentiva o trabalho e o investimento.
Esta carga fiscal torna ainda mais surpreendente os resultados espectaculares que as exportações têm consistentemente registado entre nós: 42% do PIB em 2013, com uma taxa de crescimento nos últimos dois anos superior à média europeia.
Daniel Bessa observou certeiramente no Expresso do último sábado que "é deste processo (de crescimento do sector exportador), e do seu aprofundamento, que podemos esperar, num futuro relativamente próximo, o alívio das políticas de austeridade, que, entretanto, terão de continuar". Também atribuiu com muita justiça o mérito destes resultados às empresas portuguesas, aos seus empresários e aos seus trabalhadores. E observou ainda certeiramente que o único contributo do Estado terá sido "apenas o abandono de um sistema de incentivos errado e que, durante tantos anos, orientou a produção para um mercado interno financiado por dívida, nomeadamente pública".
Todas as observações acima citadas, vindas de diferentes posicionamentos políticos, apontam para um chão comum onde um debate civilizado pode e deve ter lugar: é preciso baixar a dívida pública sem aumentar os impostos, libertando o sector produtivo, e mantendo garantias sociais para os que realmente precisam e merecem. Pode parecer impossível. Mas como costumava dizer a Sr.ª Thatcher, na única citação de Keynes que lhe conhecemos, "o inevitável em regra não acontece e o improvável muitas vezes acontece".
Neste início de um novo ano, faço votos de que a inevitável radicalização do conflito político – tão desejada pela extrema-esquerda – de facto não aconteça. E que o improvável debate racional entre os nossos partidos democráticos possa de facto acontecer.
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