Pro-choice sim, mas no que me convém a mim
1. Acaba por ser tristemente divertido ver como muitos dos que hoje se consideram dos maiores campeões das liberdades individuais, da pro-choice, nas matérias mais recônditas da vida de família, da orientação sexual, da reprodução humana, da identidade de género, da vida e da morte, e por aí adiante, de repente apresentam-se furiosamente anti-choice em matéria de educação escolar. Uma mulher pode decidir se quer deixar viver e nascer o filho gerado, ou antes abortá-lo, em total liberdade individual, sem a menor interferência de ninguém, nem sequer do pai do nascituro. E o Estado apoia com dinheiro e férias a sua eventual decisão de abortar. Mas se por acaso ela decidir deixar viver o filho, então, depois de nascido e chegado à idade escolar, o Estado só lhe paga a escolaridade obrigatória se a mãe aceitar a opção escolar do próprio Estado, e prescindir da sua pro-choice escolar. E, neste caso, aqueles mesmos que em geral são furiosos liberais e privados, por exemplo em matéria de aborto, tornam-se igualmente furiosos mas agora totalitários e públicos, em matéria escolar.
2. Como é que o Estado poderá, nuns casos, ser a favor das liberdades de escolha, e, noutros casos, ser contra as liberdades de escolha, sendo certo que também nestes casos as escolhas resultam do legítimo exercício das liberdades constitucionais individuais, como por exemplo das liberdades de aprender, de ensinar e de escola, consagradas, as três, no n.º 1 do art. 43.º da Constituição? Artigo que ainda por cima acrescenta, no seu n.º 2, o seguinte: "O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas". Com uma limitação educativa "pública" tão drástica, com um Estado que sofre constitucionalmente de uma tal capitis diminutio educativa, como é que até pedagogos encartados defendem sem mais o monopólio da escola estatal?
3. Haveria uma explicação, mas é muito feia: é que os incoerentes defensores das liberdades, nuns casos identificam-se com aqueles que pretendem gozar as liberdades; mas, noutros casos, quando são contra as liberdades, identificam-se com os que se consideram prejudicados por essas liberdades. Só pode. Pro-choice sim, no que me convém a mim.
Ex-primeiro presidente do Conselho Nacional de Educação
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