Entre mulheres

Suzana Toscano
Ionline 2013-09-27
Mais do que a vizinhança das casas, foi a solidão que aproximou as duas mulheres.
A caseira subia a ladeira íngreme até à casa do monte quando a doença do marido lhe dava uma trégua. Viviam ali desde que casaram, a vida toda, sentia o tempo nos ossos, no entorpecimento das mãos, mas a maior dor eram as ruínas das casas dos vizinhos de sempre e o peso imenso do silêncio, apenas quebrado pelos gemidos do marido condenado à doença sem remédio.
Na casa do monte a solidão da senhora era igual, filhos e netos distantes da vista e parcos em notícias. As duas mulheres tornaram-se amigas, arrimo último uma da outra, sobreviventes à deriva da vida que lhes ditou a mesma solidão no lugar onde ambas, de formas tão diferentes, tinham sido felizes.
Os filhos vieram à terra para o enterro do pai e decidiram que a mãe iria para um lar.
A despedida foi para ela uma segunda morte, enterrava nas malas despojos sem vida e sentia na boca a resignação amarga dos que, habituados a sofrer, apanham as migalhas da vida como uma dádiva e suportam as agruras como uma condição.
No último momento viu uma silhueta apressada descer a ladeira e só então sorriu. Num impulso, as duas mulheres abraçaram-se com força e assim se guardaram longamente, em silêncio, fixando naquele gesto mudo imensa amizade improvável que tanto as amparara e unira.

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